sábado, 12 de julho de 2025

Superman é o herói necessário para a era Trump

O Superman que salva muitas pessoas
Primeiro super-herói criado pela DC Comics, o Superman sempre foi um dos personagens mais queridos dos amantes dos quadrinhos. No entanto, a ascensão do Batman através de filmes mais populares e mais bem feitos para o vigilante de Gotham nas últimas quatro décadas e um certo cinismo do mundo neste mesmo período deixaram o Superman um pouco de lado. De uma certa forma, o ideal de bondade e esperança que o filho de Krypton transmite parecia não caber no ambiente dark/soturno criado por Zack Snyder, ainda que eu não desgoste do trabalho de Henry Cavill como Clark Kent.

Quando foi contratado em 2022 para assumir como novo chefão da DC, James Gunn tinha entre os seus desafios resgatar o velho Superman. Um Superman mais inspirado no herói dos quadrinhos e que foi tão bem retratado por Christopher Reeve em quatro filmes entre 1978 e 1987.

Três anos depois, “Superman” inaugura nos cinemas a nova era da DC Studios. Agora estrelado por David Corenswet, “Superman” é bem sucedido em muitos pontos e falha em alguns outros. Mas acima de tudo, o Superman de James Gunn é o herói necessário para a era Donald Trump e um mundo em que bilionários estão brincando de serem deuses enquanto transformam o planeta num tecnofeudalismo sob a anuência de uma enorme massa influenciada e emburrecida por algoritmos de redes sociais.

Ver o “Superman” chegar aos cinemas neste momento em que Trump voltou a ser o presidente dos Estados Unidos intensificando o discurso de ódio, a divisão, a perseguição a imigrantes e criando discursos falsos para atingir os seus interesses é para nos fazer refletir sobre que mundo temos hoje e que mundo queremos para o futuro. É triste observar as guerras que ocorrem neste momento entre Rússia e Ucrânia, na faixa de Gaza, entre Israel e Irã e não poder apelar para um herói que mantenha a paz diante de políticos que disseminam o ódio. Ainda que isso possa causar incidentes diplomáticos, questão que é relativamente arranhada pelo filme. O Superman não existe, mas o seu ideário de bondade, de ajudar ao próximo e buscar o melhor das pessoas devia ser um norte diante de um mundo que exibe muita raiva não apenas vindas dos Estados Unidos, mas também de todos os políticos de extrema direita e seus seguidores pela Europa e no Brasil, que acirram a divisão disseminando ódio contra imigrantes e minorias.

A mensagem de Gunn é muito clara. Superman é um imigrante que construiu a sua vida nos Estados Unidos. Um imigrante que tenta dar o seu melhor no seu ofício, mas é alvo de ódio nas ruas e nas redes sociais. Especialmente a partir das ações de seu arqui-inimigo, o bilionário Lex Luthor. Vivido por Nicholas Hoult, Luthor aqui é um cruzamento de Trump com Elon Munsk. Tem ódio pelo que vem de fora a ponto de afirmar que o Superman não é um homem (man), mas uma coisa (it). Tem inveja pelo herói monopolizar as atenções do mundo e usa todo o seu arsenal financeiro e tecnológico para o difamar, destruir a sua imagem antes de destruí-lo literalmente. O Luthor de Hoult é o arquétipo do bilionário de extrema direita que tem uma esposa troféu e financia o que de pior o ser humano pode produzir para atingir seus próprios interesses. Mais atual, impossível.

Gunn é muito feliz em se afastar da história de origem e estabelecer em cinco minutos de filme em que ponto estamos neste mundo. Há 30 anos, a nave de Kal-El atingiu a Terra e o jovem foi criado por fazendeiros do Kansas. Há três anos, ele se revelou a um mundo que já conta com uma série de meta-humanos como o Superman. Há três minutos, este ainda jovem Superman sofreu a sua primeira derrota dias depois de impedir um conflito armado entre dois países fictícios, a Boravia e Jarhaunpur, salvando milhares de vidas, mas criando um incidente diplomático com a Boravia, uma ditadura aliada dos Estados Unidos.

As ações do Superman têm causado controvérsia, provocando uma divisão em Metrópolis, ainda que sua popularidade seja maior do que se imagina e que o ódio seja menor do que aparenta ser (e o filme deixará isso claro numa cena em especial).

O Superman de David Corenswet não chega a emular a versão de Reeve, mas se afasta muito da versão de Cavill, O Superman de Cavill era quase uma versão de Jesus Cristo na forma sacralizada em que era filmado por Snyder e era um herói que estava ali para salvar a humanidade, mas sem pensar muito nas consequências dos seus atos. O Supermann de Gunn e Corenswet atua praticamente em jornada dupla e fazendo multitasking. Precisa cuidar dos vilões, mas tem sempre um olho em salvar as vidas. Todas as vidas: humana ou animal. E isto é repetido quase em exaustão. Acho que este Superman salvou mais vidas neste filme do que o de Cavill nos quatro filmes em que esteve presente entre 2013 e 2021.

Fala demais, mostra de menos

E aqui chegamos num ponto em que o filme apresenta seus problemas. A enorme quantidade de informação que o trailer exibia já dava indícios de que o filme de Gunn poderia não dar conta de contar tantas histórias. E fica exatamente esta impressão quando Gunn resolve romper com a clássica regra de roteiro “show, don´t tell”, que poderia ser traduzida como “mostre, não diga”. A ideia desta regra é que você revele informações por meio de ações, imagens e comportamento dos personagens, ao invés de simplesmente explicá-las por meio de diálogos ou narração expositiva. Gunn faz isso muito bem e, como disse, quase a exaustão com as ações do Superman, mas sobra pouco tempo para o restante dos personagens do filme e para os demais temas que o filme aborda.

Por isso, ele precisa reafirmar diversas vezes o estatuto de imigrante do Superman e até criar um paralelo com um imigrante comum, vendedor de comida na rua, ele precisa deixar claro que o Superman resolveu um problema sem causar a morte de nenhum indivíduo, ele precisa mostrar o que é o governo da Boravia, precisa explicar quem é a Gangue da Justiça e quem esta por trás do grupo formado por Lanterna Verde (Nathan Fillion maravilhoso como o bonachão Guy Gardner), Mulher Gavião (Isabela Merced) e Senhor Incrível (Edi Gathegi), ele precisa contar as origens e os desdobramentos de tudo o que Lex Luthor tem feito para destruir o Superman enquanto a ação corre solta… E para isso, Gunn usa muitas vezes o recurso dos jornalistas de TV dando notícias ou fazendo entrevistas. Nisso, sobra pouco tempo exatamente para o Planeta Diário, que é onde Clark Kent e Louis Lane (Rachel Brosnahan) trabalham. Pelo menos, ainda houve tempo para Lane fazer uma importante reportagem sobre Luthor. E ainda temos Krypto, o cachorro que pode ser muito fofo, mas toma muito tempo de tela e serve como constante alívio cômico do filme.

É compreensível que Gunn precisaria chegar na DC com o pé na porta e apresentando uma miríade de informações para mostrar que esta é a nova DC. Neste mundo, meta-humanos vivem entre nós, os heróis e os vilões estão estabelecidos, nós vamos ter discussões políticas e sociais e vamos trazer no meio disso muito entretenimento. Mas tudo isso pareceu ser muito para um filme de 2h09min, deixando-o por um lado excessivamente expositivo, por outro com pouca profundidade nas questões políticas importantes que o filme levanta, como os temas da imigração e da manipulação de informações. Este último então, se resolve num piscar de olhos, ou melhor, na velocidade das redes, mas ao mesmo tempo deixando uma ponta solta relativa ao pai biológico do Superman, que é algo que vai ter que ser resolvido no futuro. Afinal, duvido que tenham contratado o Bradley Cooper para fazer somente aquilo que é mostrado na tela.

Outro ponto que o filme peca um pouco é no CGI. As lutas do Superman em muitos casos parecem inorgânicas. É óbvio que é muito difícil fazer uma cena de luta com um super-herói que é praticamente um deus, e talvez tenham sido usados os melhores recursos possíveis para dar o peso, a velocidade e a emergência da situação, mas nem tudo ficou 100%, especialmente no confronto com o capanga mais poderoso de Luthor.

Entre virtudes e defeitos, porém, Gunn acerta em trazer de volta a essência do Superman. Mas ao mesmo tempo expõe as suas vulnerabilidades. Por ser um herói ainda jovem na função, o Superman tem uma inocência e ainda acredita em ver o melhor nas pessoas. E isso quase foi a sua ruína. O que mostra que para além da kryptonita, as suas virtudes também podem ser usadas contra ele para lhe fazerem mal. Algo que, aliás, é constantemente explorado por Luthor no filme. 

O Superman de Gunn é um herói que ainda não está pronto e está aprendendo o seu ofício, mas que tem bem clara a sua missão: ajudar o mundo a ser um lugar melhor. E não vão faltar políticos e bilionários de extrema direita para ele combater.

Nota 8/10

domingo, 6 de julho de 2025

Film review: A tentativa de recomeço de “Jurassic World”

Bailey e Johansson tentando não ser comidos
Eu já tinha abandonado a franquia “Jurassic Park” lá nos filmes do Chris Pratt. Embora tenha visto todos os filmes, não tinha qualquer motivação em ir ao cinema. No entanto, eu tenho um fraco: a minha admiração pela atriz Scarlet Johansson. E isso foi o suficiente para voltar a pagar um ingresso para ver “Jurassic World: Recomeço”. Qual não foi a minha surpresa ao ver que o filme é verdadeiramente divertido.

No título original, Jurassic World fala em “Renascimento”. E isto é o que a franquia está tentando fazer com movimentos dentro e fora da tela.

Do lado de fora, ao trazer de volta David Koepp, um dos roteiristas do filme original de 1993. Dentro da tela, ao conectar um mosaico de referências/homenagens que não só farão o fã pensar no filme original de Steven Spielberg, como também em outros clássicos da cultura pop. Tudo isso embalado num filme que tem cara, jeito e roteiro de aventura de filme americano dos anos 1990.

Ou seja, o recomeço, ou renascimento de “Jurassic Park” passa muito por um olhar para o passado. Se isso é bom ou ruim fica a critério do espectador e, consequentemente, da bilheteria que o filme fará.

A história de “Jurassic World: Recomeço” pode ser resumida em uma frase: um grupo de aventureiros se arrisca numa ilha onde vivem dinossauros para conseguir uma amostra de sangue de três espécies com o objetivo de construir um medicamento revolucionário para tratar doenças coronarianas.

No recheio deste bolo há uma coleção de clichês que em alguns casos seriam enfadonhos, mas nesta aventura despretensiosa dirigida por Gareth Edwards, diretor de “Godzilla” (2014) e “Rogue One” (2016), cabem deliciosamente bem. Temos os personagens-chave que são o cientista vivido por Jonathan Bailey e a mercenária vivida por Scarlet Johansson. Temos o vilão óbvio que representa a mão cruel e predatória do capitalismo vivido por Rupert Friend, temos uma família que representa a presença do homem comum sem grandes habilidades no meio daquela adversidade e temos os candidatos a virarem comida de dinossauro. Desde o início sabemos quem vai morrer e sabemos quem vai sobreviver. Havendo espaço para um ou dois numa zona mais cinzenta para criar uma expectativa mínima.

O roteiro também segue o padrão clássico dos três atos. São três as amostras que precisam ser recolhidas, três dinossauros diferentes, três elementos daquele mundo: água, terra e ar. Tudo para oferecer diferentes desafios para o grupo e mostrar a diversidade que a ilha dos dinossauros exibe.

Gosto muito também do momento histórico que o filme traça, criando uma sociedade em que dinossauros já não têm a mesma graça. Fazem parte da paisagem, perderam a popularidade. Mas também são temidos a ponto de haver uma zona do planeta próximo à linha do Equador em que os seres humanos são proibidos de viajar. Lá, só vivem dinossauros.

Este é um dos pontos que eu mais gosto do filme junto com algumas cenas bem legais dos dinossauros um tanto quanto assustadores e as referências. Toda a passagem no mar parece muito inspirado em “Tubarão” (1975), curiosamente um filme de Steven Spielberg.

Muitas cenas na floresta me remeteram ao início da franquia. Especialmente as que envolviam aquele andar mais sorrateiro de um dinossauro e os humanos tentando sobreviver em meio a uma tremenda adversidade.

A inclusão de um dinossauro mutante criado em experiências de laboratório por humanos também criou uma criatura extremamente parecida na cabeça pelo menos com o alienígena de “Alien — o 8° passageiro” (1979). Não sei se foi de propósito, mas me pareceu até uma correlação óbvia.

Acima de tudo, “Jurassic World” entretém. Mais do que os filmes recentes. Resta saber se o nosso mundo ainda gosta de dinossauros ou se eles também viraram para nós apenas paisagem.

Nota 7/10.

Jurrasic World: Recomeço (Jurrasic World: Rebirth — EUA, ING, Malta, IND — 2025)

Estrelado por: Scarlett Johansson (Zora Bennett), Mahershala Ali (Duncan Kincaid), Jonathan Bailey (Dr. Henry Loomis), Rupert Friend (Martin Krebs), Manuel Garcia-Rulfo (Reuben Delgado), Luna Blaise (Teresa Delgado), David Iacono (Xavier), Audrina Miranda (Isabella Delgado), Philippine Velge (Nina), Bechir Sylvain (LeClerc), Ed Skrein (Bobby Atwater).

Roteiro: David Koepp.

Direção: Gareth Edwards.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Os filmes e as séries de junho

"A vida de Chuck", "Homem com H" e "Andor"
Os filmes e as séries mais interessantes que eu vi em junho:

A vida de Chuck (The Life of Chuck) — Mike Flanagan se afastou um pouco do seu terreno do terror para fazer um dos filmes mais bonitos que eu vi neste ano. De certa forma, “A vida de Chuck” me fez lembrar um pouco “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” (2003), por causar um sentimento agridoce, mas também por ser um filme que é uma afirmação da vida.

Homem com H (BRA) — Sem sombra de dúvidas uma das maiores cinebiografias de um artista brasileiro. Soube abordar os pontos certos, fez a passagem do tempo de uma forma orgânica e aborda praticamente todos os pontos da carreira de Ney Matogrosso. 

É um filme para fã e para te transformar em fã. Um filme que sabe mostrar a dimensão e a grandeza de um artista como Ney Matogrosso. 

É muito bem editado e tem algumas tomadas magníficas que demonstram uma montagem brilhante. Nota-se isso muito claramente na cena da suruba e nos ganchos que ajudam a fazer a passagem do tempo. 

Jesuita Barbosa está monstruoso no papel principal. Ele encarnou o cantor. E o final do filme é a cereja no bolo. 

Só não achei perfeito porque não gostei muito do trabalho do ator que fez o Cazuza, A comparação com Daniel de Oliveira acaba sendo um pouco inevitável para quem viu “Cazuza: o tempo não pára” (2004).

Echo Valley (EUA) — Julianne Moore e Sydney Sweeney num filme cheio de reviravoltas do mesmo criador de “Mare of Easttown” (2021). Um deleite para quem gosta daquele gênero de filmes que trata de um crime e a complexa situação para solucionar um problema em meio a dilemas éticos e morais. Lamento apenas que a personagem de Catalina Sandino Moreno tenha sido pouco aproveitada.

Bailarina (Ballerina — EUA, HUN) — “Bailarina” não deve nada aos melhores filmes de John Wick. É uma história de vingança simples igual ao primeiro filme da franquia estrelado por Keanu Reeves e que tem todos os signos e as mitologias do universo criado pelo roteirista Derek Kolstad. 

As cenas de ação são incríveis e, embora eu ainda tenha dúvidas se Ana de Armas consegue entregar um bom trabalho como atriz, tenho certeza de que no que diz respeito a cenas de ação ela se sai muito bem. A atriz já havia brilhado do mesmo jeito em “007 — sem tempo para morrer” (2021).

A lamentar apenas a pequena participação da personagem de Catalina Sandino Moreno. Gostaria de ter visto uma dinâmica maior entre ela e Ana de Armas. Acabou sendo um buraco esquisito na história. Ainda maisdada a importância dela não só para vilão vivido por Gabriel Byrne como pela pequena revelação que é feita no filme.

Buraco este que talvez se justifique pelas fofocas de bastidores. Embora tenha sido dirigido por Len Wiseman, “Bailarina” passou por refilmagens por parte de Chad Srahelski, diretor dos quatro filmes de John Wick. Stahelski teria ficado insatisfeito com o trabalho de Wiseman. Mas, com exceção desta trama paralela, o filme não parece uma colcha de retalhos. 

A ressaltar também que este foi o último filme do ótimo ator Lance Reddick, que faleceu em 2023. E que o filme se passa entre John Wick 3 e 4. Portanto, não podemos nos empolgar. Ainda não sabemos se John Wick de fato sobreviveu em Paris. 

Extermínio: A Evolução (28 Years Later — ING, EUA) — Vinte e três anos depois do primeiro “Extermínio”, Danny Boyle e Alex Garland voltam a Inglaterra pós-apocalipse zumbi para nos mostrar como está a ilha depois de 28 anos do primeiro infectado. Temos novos elementos, caos e uma era das trevas enquanto o resto do mundo seguiu o seu curso natural. O estilo de Boyle continua o mesmo e o filme é pura diversão.

Levados pelas marés (Feng liu yi dai — CN) — Filme super experimental de Jia Zhang-Ke que começou a partir de filmagens que o diretor começou a fazer há 30 anos sem qualquer propósito além de experimentar diferentes técnicas de filmagem. Depois disso, Zhang-Ke pensou na história do casal que se desencontra em meio as transformações que a China passou nas últimas décadas. Tudo muito interessante.

Andor (EUA — Disney Plus) — Acabou a discussão. A maior trilogia de Star Wars é Andor — Season 1, Andor — Season 2 e Rogue One (2016). George Lucas que me desculpe, mas esta é a maior obra de Star Wars já feita. Inclusive, é um exercício interessante ver Rogue One, passar para Andor e depois rever Rogue One. Cassian Andor (Diego Luna, incrível, trabalho impecável) colocou até o nosso amado Han Solo (Harrison Ford) para trás. Tony Gilroy nos trouxe um mundo cheio de complexidades, personagens cinzas dos dois lados e uma ebulição política e social que devia ser o ponto central de Star Wars. No entanto, sabemos que esta é uma joia em meio a usina de venda de bonequinhos de Star Wars. Mas um dia voltaremos a nos encontrar em uma ou outra obra de arte da franquia. Afinal, “I have friends everywhere”.

O Eternauta (El Eternauta — ARG — Netflix) — Ricardo Darín tem cadeira cativa no meu panteão de artistas desde que eu era o único jovem sub-30 a ver os seus filmes nos “cinemas de arte” do Rio de Janeiro. Baseado na HQ de Francisco Solano Lopez esta série de ficção científica argentina é super bem produzida e conta a história de um grupo de pessoas que tenta sobreviver num mundo que vai sendo devastado por uma nevasca mortal. Depois, ela evolui para outras coisas que me deixaram curioso o suficiente para querer ver o que acontecerá na segunda temporada.

As quatro estações do ano (The Four Seasons — EUA — Netflix) — Baseada no filme de mesmo nome de 1981 de Alan Alda, eu acho que eu só dei play nesta série porque eu tenho visto tudo o que Steve Carrell e Colman Domingo têm feito nos últimos anos. É bonitinha e eu gosto de como a construção é feita a partir das quatro estações de Vivaldi. Valeu a jornada, mas definitivamente não era necessário anunciar uma segunda temporada.

domingo, 22 de junho de 2025

O futuro sombrio de Boyle e Garland em “Extermínio: a evolução”

Jamie e Spike tentando sobreviver
Extermínio: A Evolução (28 Years Later — ING, EUA — 2025)

Estrelado por: Jodie Comer (Isla), Aaron Taylor-Johnson (Jamie), Ralph Fiennes (Dr. Kelson), Rocco Haynes (Jovem Jimmy), Alfie Williams (Spike), Amy Cameron (Rosie), Jack O´Connel (Jimmy Crystal).

Roteiro: Alex Garland.

Direção: Danny Boyle

Em tempos de “The Last of Us” (2023-) e “The Walking Dead” (2010–2022) e seus mais diferentes spin-offs, não sei o que motivou o diretor Danny Boyle e o roteirista Alex Garland a revisitarem o mundo de “Extermínio” 23 anos depois de terem lançado o primeiro filme. Mas a julgar por “Extermínio: a evolução”, a dupla ainda tem algo a dizer e refletir sobre o mundo apocalíptico tomado por zumbis.

Quando lançaram “Extermínio” em 2002, Boyle e Garland estabeleceram um novo padrão para a representação dos zumbis. Se em clássicos como “A noite dos Mortos-Vivos” (1968) e “Madrugada dos Mortos” (1978) eles eram vistos como mortos-vivos que andavam lentamente, em “Extermínio” eles passaram a ser rápidos e agressivos, estabelecendo um novo padrão que foi copiado posteriormente em trabalhos como “Guerra Mundial Z” (2013) e “The Last of Us”.

Por estabelecer um novo padrão na representação das criaturas, o primeiro filme virou um clássico. Seu sucesso também pode ser creditado a trama simples: personagens que precisam sobreviver a uma série de ataques enquanto se deslocam de um ponto A para um ponto B. Por trás disso, a velha discussão de que os piores monstros são os humanos e como ao invés de se unirem contra um inimigo comum eles se comportam como… humanos diante de uma adversidade global.

Outro trunfo do primeiro “Extermínio” estava no estilo de filmagem de Boyle. Os primeiros vinte minutos me conquistaram de vez ao estabelecer a história e todas as regras daquele mundo. Tínhamos:

1) Causa — Um vírus da raiva altamente contagioso que passa de macacos a humanos.

2) Forma de contagio — Todo e qualquer contato de fluídos com o sangue humano significa doença imediata e a partir daí são dez segundos para a transformação.

3) Um protagonista confuso — Corte brusco, passaram-se 28 dias e vemos Jim (Cillian Murphy) acordado nu em um hospital. Não sabemos nada dele, ele não sabe nada do que aconteceu e porque está sozinho no hospital.

4) O estilo de filmagem — Boyle passeia do interior do hospital para uma Londres abandonada, causando em nós a mesma sensação de estranheza que causa em Jim. Os espaços amplos amplificam o vazio de uma megalópole sempre cheia como Londres, o corte rápido e um tremendo zoom, provocam o horror e um certo jump scare quando os zumbis atacam. Tudo é muito enxuto, com poucos diálogos. É dito apenas o necessário.

De certa forma, “Extermínio: a evolução” mantém os princípios do primeiro filme. O novo filme se passa 28 anos depois do contágio do paciente zero. Após quase três décadas, não existem mais cidades organizadas na Inglaterra. Aparentemente, temos tribos isoladas em ilhas enquanto os zumbis tomaram o continente. Pelo menos até o momento Boyle não quebrou a regra de que zumbi não sabe nadar.

No centro da história está uma família formada por Jamie (Aaron Taylor-Johnson), Isla (Jodie Cormer) e Spike (Alfie Williams). Jamie quer iniciar o filho de 12 anos no ofício de matar zumbis. Ir até o continente e matar o seu primeiro zumbi é como um rito de passagem daquela tribo de sobreviventes, que agora precisa se defender com arcos e flechas visto que não existe mais uma indústria armamentista na Inglaterra. Jamie sabe que é cedo para Spike, mas ele tem pressa em “torná-lo homem”. Spike, no entanto, está mais preocupado com a mãe, que tem uma doença em estado avançado que não consegue ser tratada por ninguém na ilha e que a faz alternar momentos de lucidez e delírios. Neste momento, não existem mais médicos formados ali.

O problema é que ao expandir as fronteiras do filho, Jamie também atiça a curiosidade de Spike pelo conhecimento e por desbravar novas fronteiras. E ao descobrir que há um médico vivendo sozinho no continente o Dr. Kelson (Ralph Fiennes), ele o vê como o único recurso possível para salvar a sua mãe. E assim está traçada a premissa de “Extermínio: a evolução”. Mais uma vez dois personagens precisam ir de um ponto A para o ponto B para cumprir uma missão e tentar sobreviver no processo.

Se ainda não sabem nadar, os zumbis de Boyle também evoluíram em comparação com o primeiro filme. Agora há zumbis rastejantes, que se alimentam de pequenos insetos e há os temidos alfas, zumbis que ao serem infectados ficam superfortes e são capazes de arrancar a cabeça com a espinha dorsal de um humano normal com as próprias mãos. Eles também resistem a mais do que uma flechada, sendo, assim, extremamente perigosos.

Assim como no primeiro filme, a câmera frenética de Boyle, que nos aproxima do horror, mas também nos brinda com tomadas belíssimas é um dos destaques. Se em “Exterminio”, a visão era de uma Londres ainda de pé, mas isolada e vazia, agora, Boyle filma campos lindamente verdes, flores, a natureza florescendo com a ausência da humanidade, mas marcada por zumbis que podem aparecer a qualquer momento, trazendo horror àquela beleza.

Gosto de como houve uma evolução da história de um filme para o outro e de como Boyle e Garland ampliaram o mundo dos zumbis, o dos humanos e também o entorno do centro do contágio. Como existem planos para que este filme seja o início de uma trilogia e o próprio filme tem um gancho que deixa o futuro em aberto, creio que podemos esperar mais alguns movimentos interessantes de Boyle e Garland no aprofundamento deste mundo de apocalipse zumbi.

Nota 7,5/10.

Film review: “A vida de Chuck” e “Operação Vingança”

Tom Hiddleston brilha no filme
A vida de Chuck (The Life of Chuck — EUA — 2024)

Estrelado por: Tom Hiddleston (Charles “Chuck” Krantz), Jacob Tremblay (Charles “Chuck” Krantz jovem), Benjamin Pajak (Charles “Chuck” Krantz criança), Chiwetel Ejiofor (Marty Anderson), Karen Gillan (Felicia Gordon), Mia Sara (Sarah Krantz), Carl Lumbly (Sam Yarborough), Mark Hamill (Albie Krantz), Q´orianka Kilcher (Virginia “Ginny” Krantz), Matthew Lillard (Gus), Violet McGraw (Iris), Kate Siegel (Miss Richards), Samantha Sloyan (Miss Rohrbacher), Heather Langenkamp (Vera Stanley), Nick Offerman (Narrador).

Roteiro: Mike Flanagan a partir do conto de Stephen King.

Direção: Mike Flanagan

Gosto quando um artista se arrisca fora de sua zona de conforto. Com um nome extremamente associado ao terror graças a boas séries de TV como “A maldição da Residência Hill” (2018)“A maldição da Mansão Bly” (2020) e “A queda da casa de Usher” (2023)Mike Flanagan resolveu levar uma das lições do seu novo filme para si e mostrar que também contém multidões, como no poema “Song of Myself”, de Walt Whitman, citado em “A vida de Chuck”.

Baseado num conto de Stephen King“A vida de Chuck” não deixa de ter um elemento até certo ponto de fantástico e de aterrorizante, mas o que pode ser mais aterrorizante do que a vida? Do que arriscar-se a viver? Algo que nem todos se propõem a fazer em meio aos medos e obrigações que atravessamos pela nossa existência.

“A vida de Chuck” é filme bem bonito. Causa estranheza ao começar pelo terceiro ato, mas aos poucos ele vai se construindo lindamente até montarmos todo o quebra-cabeças de referências que vimos no início nos dois atos restantes. Tudo para fechar com uma revelação que nos faz refletir como agiríamos se soubéssemos daquilo.

Muito bom ver Jacob Tremblay trabalhando. Ele que apareceu tão bem em “O quarto de Jack” (2015). Que atuação delicada e bonita de Tom Hiddleston, que faz o Chuck em sua fase adulta. Que casal fascinante fazem Mia Sara e Mark Hamill, que vivem os avós de Chuck. Ela, toda sabedoria, amor e leveza. Ele, pura razão, mas também amor, pragmatismo e ensinamentos importantes.

“A vida de Chuck” me fez lembrar um pouco “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” (2003), por causar um sentimento agridoce, mas também ser um filme que é uma afirmação da vida. Pode não ser o melhor filme do mundo, mas vou sempre lembrá-lo por sua beleza e delicadeza.

Nota 8/10.

Mais um filme fraco de Malek
Operação Vingança (The Amateur — EUA — 2025)

Estrelado por: Rami Malek (Charlie Heller), Rachel Brosnahan (Sarah), Jon Bernthal (The Bear), Evan Milton (Slater), Holt McCallany (Diretor Moore), Julianne Nicholson (Diretora O´Brien), Barbara Probst (Gretchen Frank), Joseph Milson (Ellish), Marc Rissman (Mishka Blazhic), Michael Stuhlbarg (Schiller), Laurence Fishburne (Henderson), Caltriona Balfe (Inquilline).

Roteiro: Ken Nollan e Gary Spinelli a partir do livro de Robert Littell.

Direção: James Hawes.

A essa altura do campeonato e seis anos depois do fim de “Mr Robot” (2015–2019), já podemos dizer que Rami Malek não é exatamente um grande ator. Apesar de ter feito um bom trabalho ao interpretar o jovem brilhante e altamente instável emocionalmente na famosa série de TV, tudo o que o ator fez na sequência foram variações das caras e bocas do Elliot de “Mr Robot”. Incluído aí o seu Freddie Mercury de “Bohemian Rhapsody” (2018), cuja vitória no Oscar ainda tenho dificuldades de compreender.

“Operação Vingança” é só mais uma variação deste mesmo tema. Pior. Depois de tantos personagens diferentes em que não conseguiu trazer minimamente novas camadas, Malek volta a interpretar aqui um especialista em cibersegurança genial e que se vê diante de uma missão pessoal. No caso do filme, vingar a morte da esposa, que fora vítima de um atentado terrorista em Londres.

Filmes sobre vingança não costumam ser ruins, mas “Operação Vingança” abusa demais da minha suspensão de descrença. Elliot, quer dizer, Charlie Heller, o novo personagem de Malek, não tem instinto assassino, mas fábrica bombas como ninguém. Como quer saciar o seu desejo para ontem, ele até chantageia os colegas da CIA. Colegas estes corruptos, é claro, pois nosso herói atrapalhado que não sabe sequer empunhar uma arma, precisa ter a nossa simpatia numa jornada de vingança que passeia pelo mundo bem ao estilo James Bond.

No fim, depois de passarmos o tempo todo ouvindo que ele não tem um instinto assassino, somos agraciados com uma filosofia de botequim em pleno alto mar antes de Heller dar o xeque-mate no vilão. Acho que podíamos ficar sem essa.

Duas coisas me chamaram a atenção neste filme que se revelou extremamente genérico e anódino:

  1. Como pode um único homem, por mais brilhante que seja, enganar TODA a CIA em sua operação clandestina. E toda a inteligência mundial, porque ele viajou muito em sua jornada de vingança.
  2. O que deve ter convencido tanta gente boa a trabalhar neste filme? Ele tem Rachel BrosnahanLaurence FishburneJon BernthalMichael Stuhlbarg e Holt McCallany. Tudo bem que nenhum deles faz parte da a lista A de Hollywood, mas são atores bons e famosos o suficiente para estarem num filme melhor. Ou são muito amigos do diretor James Hawes ou são muito fãs dos romances de espionagem de Robert Littel, cuja obra se baseia o filme. Eis um mistério que nem Charlie Heller conseguiria solucionar.

Nota 5,5/10.

sábado, 14 de junho de 2025

Film review: “Echo Valley” e “Mountainhead”

Não é nada fácil ser mãe

Echo Valley (Echo Valley — EUA — 2025)

Estrelado por: Julianne Moore (Kate Garretson), Sydney Sweeney (Claire Garretson), Domhnall Gleeson (Jackie Lawson), Fiona Shaw (Leslie), Edmund Donovan (Ryan Sinclair), Albert Jones (Detetive Ballard), Kyle MacLachlan (Richard Garretson).

Roteiro: Brad Ingelsby.

Direção: Michael Pearce.

Peguei este filme para ver somente por causa da sua dupla de atrizes: a consagrada e quase sempre excelente Julianne Moore e a estrela em ascensão Sydney Sweeney, que desde a série “Euphoria” (2019) vem me chamando a atenção. Aliás, muita gente boa saiu deste série da HBO estrelada pela Zendaya e têm constantemente aparecido em outras produções tanto de cinema quanto de TV/streaming.

Assim meio sem saber nada além de ter visto um trailer que não me dizia muita coisa para além de uma complexa relação entre mãe e filha, cada uma vivendo seus graves problemas, e da presença de um corpo, embarquei no filme. E que grata surpresa.

Escrito por Brad Ingelsby, que também escreveu a excelente série da HBO “Mare of Easttown” (2021)“Echo Valley” é um deleite para quem gosta daquele gênero de filmes que trata de um crime e a complexa situação para solucionar um problema em meio a dilemas éticos e morais.

No meio disso, temos uma mãe em luto pela morte da esposa e com problemas financeiros para manter a sua fazenda, uma filha viciada em drogas e imprevisível, e um bandido igualmente imprevisível vivido por Domhnall Gleeson, que está muito bem no filme.

E mais do que isso não se pode dizer para não estragar toda a experiência do filme. A única conclusão óbvia é a constatação de que não é nada fácil ser mãe.

Nota: 8/10

Estamos perdidos nas mãos de bilionários
Mountainhead (Mountainhead — EUA — 2025)

Estrelado por: Steve Carrell (Randall), Jason Schwartzman (Souper), Cory Michael Smith (Venis), Ramy Youssef (Jeff), Daniel Oreskes (Dr. Phillips), Hadley Robinson (Hester), Ava Kostia (Paula).

Roteiro: Jesse Armstrong.

Direção: Jesse Armstrong.

Havia muito potencial em “Mountainhead”, mas parece que faltou ao roteiro ser um pouco mais bem lapidado. Especialmente no terço final do filme.

A ideia de Jesse Armstrong, o criador da excelente série “Succession” (2018–2023), de falar da cultura extremamente tóxica dos tecnofascistas em meio a um cenário de caos mundial extremamente perturbador e realista causado por inteligência artificial e deep fake era um tiro certeiro para o momento absolutamente preocupante em que vivemos.

Se por um lado Armstrong foi feliz em deixar bem claro como estamos enquanto sociedade nas mãos de verdadeiros imbecis bilionários, por outro senti falta de um pouco mais de profundidade no roteiro. E também das tiradas espertinhas e dos jogos de câmera que tanto víamos em “Succession”.

Não que Armstrong precisasse se repetir, mas era muito claro que ao fazer “Mountainhead”, o diretor escolheu ficar em sua zona de conforto em sua estreia no mundo dos filmes. Ou seja, falar da vida de bilionários e os ridicularizar no processo.

No fim, o filme parece um episódio menor de “Succession”. Mas nenhum dos quatro bilionários chega perto do Logan Roy de Brian Cox e isso faz muita diferença.

Até certo ponto diverte. Mas em um mundo em que o fascismo avança de forma galopante enquanto tentamos nos segurar contra o colapso da sociedade, o filme não deixa de causar uma certa apreensão. Principalmente porque sabemos que estes tecnobilionários estão entre os grandes culpados por este momento complicado em que vivemos.

Nota: 6,5/10

sábado, 31 de maio de 2025

Os filmes e as séries de maio

O esquema fenício (The Phoenician Scheme — EUA — ALE) — É maravilhoso viver no mundo de Wes Anderson. Em seus filmes, a vida é um grande oceano de absurdos pelo qual navegamos no barco da sua magia estética. Num filme recheado de estrelas, foi a Mia Threapleton quem mais brilhou. É maravilhosa a sua freira Liesl que vai se desencaminhando ao longo do filme é sobre a influência do pai, um magnata sem escrúpulos vivido por Benício del Toro.

Oeste outra vez (Oeste outra vez — BRA — 2024) — Filmaço. Um faroeste brasileiro melancólico calcado na solidão e no sentimento de vazio do homem do interior do Brasil.

O Senhor dos Mortos (The Shrouds — FRA, CAN — 2024) — David Cronenberg já fazia “Black Mirror” antes de existir “Black Mirror”. Neste filme de certa forma autobiográfico, Vincent Cassel vive seu alter-ego em um filme que reflete sobre a influência da tecnologia, o fato desta mesma tecnologia nos transformar em seres com um olhar voyeuristico e quase pervertido e nos usos politicos da evolução tecnológico.

Becoming Led Zeppelin (Becoming Led Zeppelin — ING, EUA — 2025) — O grande trunfo do documentário é colocar os três integrantes vivos da banda contando a sua história. O lado negativo é o fato de a história permanecer no controle do trio Robert Plant, Jimmy Page e John Paul Jones, sem mais vozes para enriquecer a história,

Missão: Impssível — O Acerto Final (Mission: Impossible — The Final Reckoning — ING, EUA — 2025) — A luta de Tom Cruise contra a inteligência artificial foi uma boa despedida do ator de Ethan Hunt e da série “Missão: Impossível”. Pode não ser o melhor filme, mas tem cenas de tirar o fôlego, e Cruise dando o seu melhor para nos entreter. O esforço do roteiro em conectar todos os filmes foi o ponto fraco e desnecessário.

Thunderbolts* (Thunderbolts* — EUA — 2025) — Gosto de como o filme é um pouco uma mistura de “Esquadrão Suicida” com “Guardiões da Galáxia”. Personagens meio desconhecidos, quebrados que precisam se unir por um bem comum e tentar resolver os seus problemas internos. Mas a sessão de terapia no final do filme me perdeu demais. Eu só queria que acabasse. Ainda assim é boa Florence Pugh e dá dignidade e alguma profundidado e um roteiro que por vezes é bem qualquer coisa.

The Pitt (The Pitt — EUA — 2025-, HBO Max) — Eu nunca gostei de séries médicas, mas resolvi dar uma chance a está só porque era da Mãe HBO. E que série absolutamente espetacular. Ela também me fez pensar que eu preciso me esforçar e me cuidar muito para nunca parar numa emergência porque é grande o potencial de dar uma merda neste mundo aleatório e de tentativa e erro das emergências de hospital.

The Last of Us (The Last of Us — EUA — 2023-, HBO) — Tudo bem que a série caiu de uma nota 10 na primeira temporada para uma nota 7,5 na segunda, mas ainda assim estamos aqui pela jornada. Tem alguns episódios maravilhosos, como o 2 e o 6, mas também foi uma temporada com mais carinha de videogame do que de série. E o final foi simplesmente covarde.

Black Mirror (Black Mirror — EUA, ING — 2011-, Netflix) — Eu já aceitei que “Black Mirror” nunca mais viverá na Netflix o apogeu que mostrou no Channel 4. A série mudou, o dono mudou, o Charlie Brooker mudou. Só que ainda assim, é possível pescar pérolas de revirar o cabeção. E nesta temporada, eu gostei muito de dois episódios, “Common People” e “Eulogy” e gostei também de “USS Callister — into infinity”. São episódios que renovam minha fé em “Black Mirror”, meu temor pelo presente e meu horror pelo futuro.

Handmaid’s Tale (Handmaid’s Tale — EUA — 2017–2025 — Hulu) — Se você foi uma das 17 pessoas que não largaram a mão da June até o último segundo da sexta e última temporada, você está pronto para casar. Vivemos está série na saúde e na doença, na tristeza e na alegria, na riqueza e na pobreza e chegamos (satisfeitos?) até o fim. Com o passar das temporadas, tive a sensação que a série foi virando mais uma visão da Elisabeth Moss sobre o mundo criado por Margaret Atwood do que uma obra baseada nos livros da escritora. Moss dirige quatro dos dez episódios da season final. Entre eles, o primeiro e os dois últimos. A série podia ter acabado antes, mas de qualquer forma termina num bom ponto, mostrando que nada será o mesmo depois de um trauma destes que foi a existência de Gillead. Azar dos estadunidenses, que escolheram ser a Gillead da vida real.

sábado, 10 de maio de 2025

Book Review: “As últimas testemunhas” e “A canção da espada”

A guerra é meu livro de história. Minha solidão…Perdi a época da infância, ela fugiu da minha vida. Sou uma pessoa sem infância, em vez de infância tenho a guerra” (pág. 34).

“A infância acabou… Com os primeiros tiros. Uma criança vivia dentro de mim, mas já ao lado de alguma outra pessoa…” (pág. 191).

“Aos dez anos fui para o primeiro ano. Mas eu era grande e sabia ler, seis meses depois me passaram para o segundo ano. Eu sabia ler, mas não escrever. Me chamaram para o quadro, era preciso escrever uma palavra com a letra “u”. Fiquei parado pensando horrorizado que não sabia como se escrevia a letra “u”. E já sabia atirar. Atirava bem” (pág. 109).

Nos tempos sombrios em que vivemos do ponto de vista geopolítico, Svetlana Aleksiévitch é uma das autoras mais necessárias. A jornalista bielorrussa é responsável por dar voz à dor extrema causada pelos desmandos e irresponsabilidades de políticos e poderosos. Seus livros são como facadas na alma do qual é difícil se recuperar. Contudo, fundamentais para entender o horror da guerra, o horror da fome, o horror da máquina de propaganda governamental e como as vidas são dilaceradas quando há um conflito armado. Inclusive, a vida dos sobreviventes.

É muito difícil ler seus livros. Talvez nem tanto ou nem tão doloroso quanto foi para ela escrever todos eles. Lembro de ter assistido a uma palestra dela na Feira Literária de Paraty (Flip) de 2016 em que ela dizia que já sofreu muito com tantos livros sobre guerras e que não consegue mais escrever sobre isso. Na ocasião, ela disse que gostaria de escrever sobre o amor em seu próximo trabalho.

“As últimas testemunhas” é exatamente sobre a guerra. Mais uma vez, ela se debruça sobre a Segunda Guerra Mundial, chamada pelos russos e soviéticos de Grande Guerra Patriótica, tema de “A guerra não tem rosto de mulher” (1983) e de parte de “O fim do homem soviético” (2013). Desta vez, o objetivo do livro é colher depoimentos de adultos que eram crianças durante a Segunda Guerra. As últimas testemunhas daquele conflito, as últimas vozes a serem ouvidas que ainda estão vivas enquanto a sociedade parece esquecer o quão terríveis foram aquelas primeiras quatro décadas do século XX. A forma é a mesma literatura oralizado que consagrou o seu trabalho como escritora.

Dois sentimentos perpassam os depoimentos de “As últimas testemunhas”: a perda da infância e a necessidade de amadurecer muito antes do tempo causado pelo impacto da guerra. É de uma enorme dor no coração ler os relatos de homens e mulheres que foram meninos e meninas que perderam a chance de estudar no tempo certo, de brincar no tempo certo, de ter uma vida normal. Crianças que sabiam atirar, mas mal sabiam ler e escrever. Crianças que passaram fome e se viram separadas de seus pais.

E é muito doloroso ver como estás crianças viraram adultos com traumas para o resto da vida.

Em todos os seus livros, Aleksiévitch nos convida a experienciar o terrível mal através dos depoimentos de quem se abriu com ela para uma entrevista.

A autora faz a sua parte para que a história não se repita. É uma pena que vivamos tempos tão enevoados em que entregamos o poder a incompetentes mal-intencionados que podem nos levar a caminhos tão sombrios quanto os documentados pela autora.

“Acredito que os homens que matamos ficam inseparavelmente ligados a nós. Os fios de suas vidas, tornados fantasmagóricos, são tecidos no nosso pelos Destinos, e o seu peso assombra-nos até uma lâmina afiada nos roubar finalmente a vida”. (Pág. 135)

“Nesses tempos, raramente utilizávamos essa designação, Inglaterra. Era então um sonho, mas Alfredo, na sua fúria, levantava a cortina desse sonho e eu soube que ele queria que o seu exército continuasse para norte, sempre para norte, até que deixassem de existir o Wessex, e East Anglia, e a Mércia e a Nortúmbria para existir apenas a Inglaterra. (Pag 287)

Há muito tempo que eu desejava ler algo do escritor e historiador Bernard Cornwell. Talvez influenciado por inúmeros filmes e séries baseados nos seus livros, mas também pelos períodos históricos que ele aborda, que sempre me interessaram. Por acaso caiu na minha mão um dos livros das chamadas Crônicas Saxônicas e mesmo sendo o quarto de uma série de seis livros, eu peguei para ler.

Como eu já tinha visto a série da Netflix, “O Último Reino”, foi mais fácil não se perder e entender os personagens. mas arrisco-me a dizer que daria para ler o livro mesmo sem este conhecimento prévio. Claro que seria melhor acompanhar as crônicas do início, mas o início do livro dá um panorama sobre o ponto da história em que estamos posicionados.

Dá para dizer que foi muito bom acompanhar agora na literatura um pedaço da história de Uhtred de Bebbanburg, o saxão criado com dinamarqueses que virou o guerreiro que prestou juramento a Alfredo, então rei de Wessex, no território que futuramente viria a ser conhecido como a Inglaterra.

As Crônicas Saxônicas contam exatamente este período da história inglesa. As invasões e ocupações vikings e a luta dos saxões para os expulsarem enquanto os quatro reinos começam a se formar em um só. Uhtred é um personagem fascinante. Ainda que seja muito mais fictício do que real, acompanhar os seus feitos em meio a fatos históricos que realmente aconteceram e outros que foram usados por Cornwell apenas para fins literários nos faz pensar como a história humana é cercada de barbárie. Nada diferente de hoje em dia, mas é fato que o mundo já foi bem pior.

Fato é que Cornwell é um ótimo contador de histórias. E sua ficção histórica me deixou fascinado. Definitivamente pegarei em algum momento os outros livros das Crônicas Saxônicas para ler. Como ainda não vi a última temporada de “O Último Reino” e o filme posterior a ela, ainda tenho muito o que acompanhar e me surpreender com a saga de Uhtred de Bebbanburg.