quarta-feira, 31 de julho de 2024

Filmes e séries: Destaques e decepções de julho

Destaques:

“Tipos de Gentileza” (Kinds of Kindness — EUA, ING, IRL — 2024) — Lançar dois filmes num intervalo tão curto de tempo já é um desafio. Agora, imagina dois filmes insanos? Foi o quw Yorgos Lanthimos fez com a dobradinha “Pobres Criaturas” e “Tipos de Gentileza”. E dá para dizer que a parceria com Emma Stone e Willem Defoe deu certo de novo. Inclusive, gosto mais desse do que do anterior.

“Deadpool & Wolverine” (Deadpool & Wolverine — EUA, CAN, AUS, NZL — 2024) — Nunca pensei que a volta de Hugh Jackman ao papel de Wolverine fosse para filmar o obituário da Fox, que é basicamente o que é este filme. Me diverti e isso já é um elogio perto dos últimos filmes da Marvel.

“A última sessão de Freud” (Freud´s Last Session — IRL, ING, EUA — 2023) — Adoro um filme com intelectuais debatendo ideias. E é sempre um prazer ver Anthony Hopkins trabalhando.

“Um tira da pesada 4: Axel Foley” (Beverly Hills Cop: Axel F. — EUA — 2024) — Nostálgico, divertido, picareta. Era tudo o que eu esperava da volta de Eddie Murphy como Axel Foley.

“Acima de qualquer suspeita” (Presumed Innocent — EUA — Appel TV — 2024) — Série de tribunal com final surpreendente é um Jake Gyllenhall excelente. Gostamos.

“Último Ato” (Manhunt — EUA — Apple TV — 2024) — Série bem interessante sobre a conspiração por trás do assassinato de Abraham Lincoln. Dá para traçar assustadores paralelos com os Estados Unidos da atualidade.

“Entrevista com o vampiro” (Interview with the vampire — EUA — AMC — 2022-) — A segunda temporada da série baseada nos livros de Anne Rice é ainda mais bem desenvolvida e envolvente do que a primeira. Esta série foi uma surpresa para mim desde o início.

Decepções:

“Bad Boys: até o fim” (Bad Boys: Ride or Die — EUA — 2024) — O terceiro filme já era uma vergonha. Este é ainda mais constrangedor. Talvez esteja na hora de os Bad Boys se aposentarem. Até porque o Will Smith não precisa disso.

“A Acólita” (The Acolyte — EUA — Disney Plus — 2024) — Uma das coisas mais lamentáveis já feitas em Star Wars. Me fez ter saudades de Boba Fett.

“Clipped” (Clipped — EUA — FX — 2024) — Esperava bem mais sobre esta série sobre os escândalos no Los Angeles Clippers. É apenas ok e ainda me deixou com uma dúvida eterna: por que raios o Doc Rivers trocou o Boston Celtics pelos Clippers? Eu só descobri lendo a imprensa da época. Obrigado internet.

domingo, 14 de julho de 2024

“Horizon”, “Um tira da pesada 4” e até onde a nostalgia pode ser boa?

Costner ambiciona um épico como os do passado
“Horizon: uma saga americana — Capítulo 1” é um grande filme. Esta provavelmente teria sido a minha conclusão se o filme tivesse sido lançado em 7 de julho de 1962 e eu fosse um jornalista escrevendo para a Gazeta da Cidade, porque não havia internet nem espaços online para expressar qualquer opinião. Tendo sido lançado mais de 50 anos depois, tenho a sensação de que o trabalho de Kevin Costner já nasceu bastante datado.

A ideia de Costner, que volta a dirigir um filme duas décadas depois de “Pacto de Justiça” (2003), era criar um épico americano como os grandes épicos do passado. “Horizon” tem um que de “E o vento levou…” (1939) e almeja contar uma saga como a que vemos em “Assim caminha a humanidade” (1956). Olhando por esse prisma, Costner enaltece uma inocência que soa muito artificial e falsa no mundo de 2024. Todo aquele jogo de cena de corações palpitantes entre Frances (Sienna Miller) e Trent Gephart (Sam Worthington), essa paixão inocente e cheia de dedos que emerge em meio a tragédia vivida por Frances não encontra muito eco no cinema do século XXI.

Ao criar este mise-en-scène, Costner parece sentir falta destes diálogos quase puros do cinema do século passado. O problema é que a modernidade, entre outras coisas, nos tornou cínicos e práticos. Num mundo em que o Tinder e aplicativos semelhantes são lei e nos exibimos feito carne no açougue em busca da atenção e desejo do outro, a pureza que Costner tenta evocar no filme é quase caricata.

A problemática indígena

“Horizon” almeja contar em quatro partes a saga da colonização do Oeste dos Estados Unidos durante o século XIX. Uma história marcada por massacres, conflitos e sangue como boa parte da história humana.

E aqui temos o maior problema do filme. Parece que Costner tem uma nostalgia de como os indígenas eram retratados nos velhos faroestes de John Wayne e reproduz o mesmo em seu filme. Na visão do diretor, os indígenas são violentos, impulsivos, cruéis matadores de mulheres e crianças que se colocam como um entreposto para o natural avanço da civilização. Não há em “Horizon” uma única linha que dê voz aos indígenas, que estão vendo as suas terras serem arbitrariamente tomadas pelos brancos colonizadores. Para dizer o mínimo, isso é desonesto. Outros poderiam usar palavras menos polidas e não estariam de todo errados.

Em “Horizon” voltamos no tempo ao identificar os indígenas como vilões, ainda que seja a invasão dos brancos que afasta a caça dos povos que já ali estavam. Isso, no entanto, não interessa para Costner. A luta em “Horizon” é a da resistência do homem branco para vencer e conquistar aquela terra inóspita. E os indígenas são apenas o obstáculo.

É uma pena que “Horizon” opte por uma narrativa tão canhestra, pois o filme tem virtudes. A começar pela beleza. Quem gosta de faroeste se fartará com as paisagens de tirar o fôlego, com os signos que acompanham o gênero, com a narrativa lenta e descentralizado do seu filme, que não tem exatamente um protagonista, mas uma série de personagens tentando construir a sua história entre erros e acertos em meio às inóspitas terras do Oeste. É como se o filme fosse quase um “Guerra e Paz” da conquista do Oeste americano.

No entanto, a sua primeira parte mostrou também os velhos preconceitos de um cinema que não cabe mais no século XXI. Vamos ver se a segunda parte corrige um pouco o rumo dessa narrativa que ecoa a um passado do qual sabemos que existe, mas não devemos nos orgulhar.

Os mesmos truques de Axel Foley

Assim como “Horizon” evoca a um cinema do passado que não existe mais, “Um tira da pesada 4”, evoca a um cinema dos anos 80 que também não parece encontrar eco nos nossos cínicos tempos. Aparentemente, o diretor Mark Molloy e a Netflix não tinham nenhum interesse em renovar o público da franquia ao reativá-la.

Axel Foley, o malandro de Detroit
“Um tira da pesada 4” se passa em 2024 e mostra um Axel Foley vivendo as mesmas aventuras que vimos nos anos 1980 e 1990. Foley está mais velho, tem uma filha adulta com quem precisa se reconciliar (um clássico das franquias restauradas quem tentam voltar à ativa), mas ao mesmo tempo ele precisa resolver um caso escabroso em Beverly Hills que, claro, envolve corrupção policial.

Para dar conta disso, Foley usa os mesmos truques do passado. Se faz passar por personagens inventados por ele, inventa histórias, usa o seu carisma e simpatia e, assim, vai decifrando o enigma da investigação que ajudará a sua filha e os seus velhos amigos de Hollywood.

É delicioso ver Eddie Murphy fazendo as mesmas presepadas dos anos 1980. Eu dei muitas gargalhadas ao longo do filme, mas, lembremos, os tempos atuais são outros, o tenho dúvidas se as falsas narrativas criadas por Foley convencem as novas gerações na era da múltipla informação em que descobrimos a vida inteira de uma pessoa com alguns cliques.

É preciso exercitar muito a suspensão de descrença para acreditar que Foley é bem-sucedido como policial encrenqueiro graças a seu carisma e criatividade. Funciona demais para o público que cresceu com Foley e tem uma nostalgia desse cinema simples e sem muitas preocupações com frases batidas como “desenvolvimento de personagem” e “não consigo me conectar com o personagem”.

Mas será que Foley conseguiu atingir as camadas mais jovens? Sendo um filme da Netflix, é difícil saber pela falta de parâmetros como a bilheteria. Seja como for, “Um tira da pesada 4” é divertido demais ainda que repita ipsis litteris o estilo de 40 anos atrás.

O que me leva a questão: até onde a nostalgia pode ser boa? Entre Costner e Molloy, penso que repetir os erros do passado é um limite minimamente aceitável. “Horizon” é bonito, mas indigente com os povos indígenas e isso é inaceitável. “Um tira da pesada 4” é demasiado inocente, mas gostoso e divertido demais a ponto de podermos ignorar o cinismo do nosso mundo por pelo menos duas horas.

domingo, 30 de junho de 2024

Filmes e séries: Destaques e decepções de junho

Destaques:

“Origin” (Origin — EUA — 2023) — Ava DuVernay pegou o livro de Isabel Wilkerson e fez um filme-tese de doutorado que reflete sobre a relação entre o racismo e o sistema de castas. Um belo e revoltante filme.

“Assassino por acaso” (Hit Man — EUA — 2023) — Deliciosa comédia romântica/filme baseado em fatos reais dirigido por Richard Linklater que conta a história de um professor universitário que se fantasia de assassino de aluguel para ajudar a polícia a prender as pessoas que o contratam.

“Matéria Escura” (Dark Matter — Apple TV — EUA — 2024-) — Série bem interessante sobre um cidadão que viaja pelo multiverso para roubar de uma versão dele mesmo a vida que ele se arrependeu de não ter vivido. Primeira temporada bem interessante e com potencial para crescer.

“O Véu” (The Veil — FX/Hulu — EUA — 2024) — Minissérie de espionagem com Elisabeth Moss e mais eu não digo para não perder a graça.

“Hacks” (Hacks — HBO — EUA — 2021-) — Acho que a terceira temporada foi a melhor desta série que só cresce no meu conceito. Os temas abordados são muito interessantes, é ótimo ver a relação das duas protagonistas é o final da temporada é de cair o cu da bunda.

“As cores do Mal: Vermelho” (Kolory zla Czerwien — POL — 2024) — Filme polonês baseado numa série de livros da escritora Malgorzata Oliwia Sobczak. Clássico filme do gênero: quem matou fulana? Foi divertido.

Decepções:

“Agente X: A última missão” (The Bricklayer — EUA, BUL, GRE — 2023) — Ainda estou tentando entender o que me fez dar play neste filme. Ação e coreografias de luta péssimas, história péssima, atuações terríveis e um final brega com o protagonista-trabalhador olhando para o infinito com a bandeira americana tremulando ao fundo.

“Back to Black” (Back to Black — ING, FRA, EUA — 2024) — O filme sobre a trágica história da cantora Amy Winehouse é tudo o que ela não era: sem graça, básico e insipiente.

“Jardim dos desejos” (Master Gardener — EUA — 2022) — Tinha alguma expectativa por esse filme com Joel Edgerton e Sigourney Weaver, mas ele é só creepy de um jeito ruim.

“Um homem por inteiro” (A Man in Full — Netflix — EUA — 2024) — Uma série política baseada num livro de Tom Wolfe com Jeff Daniels. Eu achava que tinha tudo para ser boa, mas é só mais um produto genérico da Netflix.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Filmes e séries: destaques e decepções de maio

Destaques:

Furiosa: Uma Saga Mad Max (Furiosa: A Mad Max Saga — AUS, EUA — 2024) — Para definir este filme eu usaria aquele meme do Martin Scorsese que diz “Absolute Cinema”. George Miller conseguiu de novo. Eu só não digo que quero morar no mundo de Mad Max porque eu não sobreviveria vinte minutos nele.

O Dublê (The Fall Guy — EUA, AUS, CAN — 2024) — Ryan Gosling, Emily Blunt, diversão, presepadas e uma grande homenagem de David Leitch aos dublês. Duas horas de pura alegria.

Pequenas cartas obscenas (Wicked Little Letters — ING, EUA, FRA -2023) — Filme bem legal com Jessie Buckley e Olivia Colman sobre uma treta entre vizinhos na Inglaterra que acaba até em prisão.

Plano 75 (Plan 75 — JAP, FRA, FIL, QAT — 2022) — Dirigido por Chie Hayakawa, o filme fala sobre a solidão na velhice a partir de uma realidade distópica em que Japão resolve oferecer uma espécie de eutanásia aos idosos para combater o peso dos gastos do Estado.

X-Men 97 (X-Men´97 — EUA, COR — 2024-, — Disney Plus) — A cada semana, a cada episódio da animação, eu me perguntava: Por que raios a Disney demitiu o Beau de Mayo? Ele entregou tudo o que está na essência dos X-Men. Eu facilmente veria mais cinco temporadas criadas por ele.

Ripley (Ripley — EUA — 2024 — Netflix/Showtime) — A série criada por Steven Zaillian a partir dos livros de Patricia Highsmith é espetacular. Fotografia, roteiro, direção, o trabalho dos atores… quase tudo impecável. Das melhores coisas do ano.

Them (Them — EUA — 2021-, Prime Vídeo) — A segunda temporada mantém a fórmula terror + crítica social foda e continua sendo assustadora. Só dá para ver de dia.

Decepções:

Instinto Materno (Mother´s Instinct — EUA — 2024) — Esperava bem mais do que a obviedade neste filme com Anne Hathaway e Jessica Chastain. Foi tudo mais telegrafado que passe horizontal na frente da área de zagueiro distraído.

Audi vs Lancia: Corrida pela gloria (Race to Glory — Audi vs Lancia — ITA, ING, IRL — 2024) — Espécie de Ford x Ferrari B, o filme tinha como objetivo falar sobre a era de ouro dos ralis a partir de uma rivalidade. Mas ele só conseguiu tornar o raly ainda mais desinteressante.

O Simpatizante (The Sympathizer — EUA — 2024 — HBO) — Eu tinha grande expectativa por essa série, mas no fim ela chamou mais atenção pelos 13 personagens vividos pelo Robert Downey Jr. do que por sua história. Ainda aguardo o comeback da minha amada HBO.

terça-feira, 30 de abril de 2024

Filmes, séries e música: destaques e decepções de abril

Destaques:

Rivais (Challengers — EUA — 2024) — Um dos melhores trabalhos de Luca Guadagnino. Um filmaço cheio de camadas, subtextos, tesão, gente tóxica e com uma Zendaya monstruosa na tela.

Fúria Primitiva (Monkey Man — EUA, CAN, SIN, IND — 2024) — Primeiro trabalho de Dev Patel como diretor, este é um filme clássico sobre vingança. É uma espécie de John Wick indiano com ótimas cenas de luta e muitos absurdos. Patel também está ótimo como o protagonista.

O homem dos sonhos (Dream Scenario — EUA — 2023) — Escrito e dirigido por Kristffer Borgli, este é mais um acerto do que eu chamo de fase de recuperação do Nicolas Cage. Ainda que Cage ainda esteja alternando altos e baixos, bons filmes com produções de gosto duvidoso, esta comédia com pitadas de terror é onde se vê um Cage com traços dos seus melhores momentos na carreira.

No interior do casulo amarelo (Bên trong vo kén vàng — VTN, SING, FRA, ESP — 2023) — Até pela sua forma cadenciada, o filme de Thien An Pham não é dos mais fáceis de digerir, mas é bem interessante. Sobre um homem que retorna a sua cidade natal e é assombrado pelos desejos do passado.

Xógum: A gloriosa saga do Japão (EUA, FX — 2024) — Toda a trama política envolvendo a disputa pelo poder no Japão é o que a série tem de melhor. Nâo gosto muito do trabalho do Cosmo Jarvis, o que atrapalha um pouco a série, mas Anna Sawai, Hiroyuki Sanada e a história me prendem até o fim e desejando uma segunda temporada.

Magnatas do Crime (The Gentleman — ING, EUA — 2024 — Netflix) — Spin-off do filme de mesmo nome de 2019, esta série é cheio das presepadas do Guy Ritchie, mas como foi divertido ver todas elas. No fim, acabou sendo uma boa surpresa.

Pearl Jam — “Dark Matter” — É um disco que a cada vez que eu ouço vem crescendo no meu conceito. Muito melhor do que o fraquíssimo trabalho anterior, “Gigaton” (2020), é um álbum que lembra um pouco a fase compreendida entre os álbuns “Yield” (1998), “Binaural” (2000) e “Riot Act” (2002). Os destaques são as guitarras de Mike McCready e Stone Gossard.

Decepções:

Guerra Civil (Civil War — EUA, ING — 2024) — É uma pena que Alex Garland tenha preferido contar uma história desinteressante e óbvia sobre quatro jornalistas quando o mais interessante estava em toda a trama de política e caos por trás daquela jornada. Pelo menos Wagner Moura e Kirsten Dunst valem o ingresso.

A grande entrevista (Scoop — ING — 2024) — O filme de Philip Martin parece um episódio ruim de “The Crown” com lições piegas sobre a importância do jornalismo na sociedade. Espero que “A very royal scandal”, série que está sendo produzida pela Emily Maitlis sobre a mesma entrevista do príncipe Andrew, seja melhor.

O Regime (The Regime — ING, EUA — HBO — 2024) — Sim, Kate Winslet também erra. E a HBO também. A sátira política aqui começa bem, mas vai cansando até as raias da decepção.

domingo, 28 de abril de 2024

“Guerra Civil” tem uma história muito boa por trás de trama desinteressante

Dunst e Moura, o que o filme tem de melhor
A ideia de um país como os Estados Unidos em convulsão por uma guerra interna já foi alvo de reflexão em algumas produções recentes, mas este conflito sempre foi causado por um fator externo. Seja por causa de um fungo que transforma os humanos em zumbis como em “The Last of Us” (2023) ou estranhos acontecimentos que fazem os americanos exacerbarem ao extremo as suas individualidades, como em “O mundo depois de nós” (2023). No entanto, Alex Garland deu um passo além nesta trama e, aparentemente até inspirado na realidade assustadora da política local em um país louco para devolver o poder a Donald Trump e com grupos de extrema-direita assustadoramente muito atuantes, criou uma realidade distópica em que o conflito armado, que está tão no DNA americano, vem para dentro do seu território.

Se essa fosse a história de “Guerra Civil” (“Civil War”, no original), Garland teria um filme bem interessante em mãos, onde veríamos as implicações da implantação de um caos armado nas mãos de conspiradores que, para dizer o mínimo, não batem bem da cabeça. Garland, porém, optou por abordar um microcosmo, o dos repórteres de guerra, para serem o nosso olhar sobre a distopia que ele criou.

“Guerra Civil” segue quatro jornalistas em busca do que eles consideram a grande história da guerra interna americana. A entrevista final do presidente dos Estados Unidos antes que ele seja capturado, ou mesmo morto, pelas forças rebeldes. Assim, o filme acompanha dois repórteres da Reuters, Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura), um veterano jornalista do “New York Times”, Sammy (Stephen McKinley Anderson), e uma jovem em início de carreira, Jessie (Cailee Spaeny). E essa é a história mais desinteressante que “Guerra Civil” pode nos dar.

Os quatro personagens do filme são envoltos numa nuvem de clichês a ponto de ser facilmente adivinhável qual será o destino de todos eles antes do fim do filme. Lee é a veterana repórter fotográfica que já viu guerras demais a ponto de perder a humanidade e ser fria com tudo e com todos. Ela, obviamente, terá na figura de Jessie um porto para resgatar um traço da sua humanidade perdida ao mesmo tempo em que Jessie é uma jovem impulsiva, ainda não maltratada pela vida, e que está louca para seguir os passos da mulher que vê como ídola e mentora. Joel, por sua vez, é o jornalista-raiz que faz tudo por uma boa história, pilhado pela emoção e stress do conflito. Mesmo que isso seja arriscar a própria vida. Sammy, por sua vez, é o veterano e decadente jornalista pronto para dar lições de vida nos dias que lhe restam.

Seguir este quarteto é tedioso. Especialmente porque sabemos que Garland esconde por trás desta história básica um filme muito interessante e que vemos alvorecer em vislumbres como a rápida participação do militar vivido por Jesse Plemons, um homem cheio de preconceitos e que só aceita perto dele aqueles que são “verdadeiramente americanos”. E sabemos o que isso é para racistas e xenófobos. Ou como na cena da cidade que segue a sua vida normal em meio ao conflito armado simplesmente porque eles decidiram não se envolver. Uma das minhas maiores curiosidades era justamente entender como aquela cidade no meio do país se mantém alheia a guerra e em saber como os Estados Unidos viraram aquilo que acompanhamos a partir da jornada dos jornalistas.

Além do foco numa história que mais parece uma homenagem aos jornalistas de guerra do que propriamente um filme, “Guerra Civil” carece de mais contexto. Por exemplo, quem são as Forças Especiais? O que eles defendem? Por que querem derrubar o governo americano? Por outro lado, o governo americano é vítima ou algoz nesta história? O elemento fascista está de que lado? Ou a ideia do filme é mostrar que numa guerra tudo o é caos e tudo é desordem? Saio do filme com algumas ideias e reflexões sobre isso tudo, mas não exatamente com respostas, ou mesmo insinuações, trazidas pelo filme e sem ter muito horizonte para o qual olhar.

O lado bom de “Guerra Civil” está no trabalho de seus dois protagonistas. Wagner Moura está excelente como Joel. Ele sabe dar ao seu personagem o olhar obsessivo e excitado por uma história jornalística e entregar a dor de uma perda sem parecer piegas. Seu trabalho tem camadas e subcamadas e uma multiplicidade de emoções apenas com um gesto ou um olhar que é coisa de craque. É muito bom ver Wagner Moura trabalhar e ainda que “Guerra Civil” tenha vários problemas, ele vale o ingresso.

Dunst também entrega muito bem a frieza da sua repórter fotográfica cuja humanidade está escondida sob camadas de histórias que viveu nos anos de profissão. Ela tem o rosto e o olhar cansado de quem já viu guerras demais e agora é forçada a cobrir um conflito no quintal de casa. Mas também mostra traços de delicadeza e humanidade no convívio com Jessie.

Os dois são a razão de ser do filme que está na primeira camada de “Guerra Civil” ao passo em que a participação de Plemons diz muito e dá algumas pistas sobre as perguntas que ficaram sobre o filme mais interessante por trás do filme principal de Garland. É uma cena que dura coisa de cinco minutos, mas que escancara para onde Garland poderia ter olhado. Esse filme o diretor vai ficar nos devendo.

Nota 5/10.



quinta-feira, 7 de março de 2024

Comentários e o ranking do Oscar - 2024

Bem amigos das redes antissociais. Chegou o grande momento do ano. O tradicional dia de falar do Oscar! E é com grande prazer que reconheço que em todos estes anos vivendo de forma amadora e sem receber um tostão desta indústria vital este é um dos melhores anos da história recente da Academia. Entre os indicados há muitos bons filmes, alguns excelentes (é claro que eu não estou falando de você, “Maestro”) e pouquíssimas bombas.

Como costuma acontecer anualmente, o Oscar tinha tudo para ser uma ZONA DE INTERESSE(s). Sabe como é, o povo da Academia por vezes gosta de agir como ASSASSINOS DA RUA DAS FLORES cinematográficas criando uma FICÇÃO AMERICANA sobre VIDAS PASSADAS que muito facilmente poderia configurar uma ANATOMIA DE UMA QUEDA de qualidade. Mas aparentemente o MAESTRO do destino este ano nos pregou uma peça. Praticamente não há POBRES CRIATURAS entre os concorrentes aos principais prêmios. É claro que sempre lamentamos que alguns são REJEITADOS como se fossem uma BARBIE velha e quebrada (Leonardo di Caprio, Celine Song, Greta Gerwig…) Mas nem tudo é perfeito. Eu mesmo não consegui inserir OPPENHEIMER neste parágrafo trocadalho dos indicados a melhor filme.

Por falar na categoria principal, ela é o maior exemplo da qualidade da seleção deste ano. De acordo com o CornetaStats, a nota média dos indicados a melhor filme em 2024 ficou em 8,55, a maior da série histórica, superando os 8,12 de 2021 e muito acima dos 7,75 do ano passado. Não há um único filme ruim na categoria principal, mas como alguém tem que ficar com o índice “Spotlight” de “esse filme não pode ganhar”, o “Maestro” ficará com essa batuta. E ele não merece ganhar mesmo. É o mais fraquinho de todos. Sorry Bradley Cooper. Sorry Carey Mulligan, eu adoro você, mas não dá.

Bom, mas vamos aos comentários mais detalhados por categoria e os meus favoritos (que sempre perdem) de 2024.

FILME – O apoio incondicional da Corneta neste ano vai para “Anatomia de uma queda”, o único filme a receber nota máxima do pool de críticos composto por mim mesmo e meus amigos imaginários. Porém, sabemos que é mais fácil estadunidense aprender a votar direito do que premiar um filme não falado em inglês. no Oscar. Sendo assim, não ficaríamos tristes se “Assassinos da lua das flores” levasse porque é um filme que certamente está no top-10 do Martin Scorsese. Também seria incrível, mas por diferentes motivos que “Vidas Passadas”, “Ficção Americana” ou “Zona de Interesse” ganhassem o prêmio. Acharia bom e ousado que “Barbie” ou “Pobres Criaturas” levassem também. Dizem que o favoritaço é “Oppenheimer”. É outro grande filme, mas não muito diferente de filmes que já ganharam no passado. Aquele gênero cinebiografia de mentes atormentadas capitaneadas por diretores excelentes. Por fim, não rejeitaria “Os Rejeitados”, mas rejeito bastante o “Maestro”, que parece estar aí mais pelo seu personagem retratado do que pelo filme em si.

ATOR – Jeffrey Wright (“Ficção Americana”) e Paul Giamatti (“Os Rejeitados”) estão muito bem e acho que seriam prêmios muito bem dados. Também gosto do Colman Domingo em “Rustin”, mas o meu favorito ainda é o Cillian Murphy por “Oppenheimer”. Já o Bradley Cooper pode aproveitar a festa e os comes e bebes.

ATRIZ – Essa categoria está fortíssima. A única que parece abaixo do nível é a Annette Benning (“Nyad”), mas gosto de Carey Mulligan (“Maestro”), acho que a Emma Stone está brilhante em “Pobres Criaturas” e é um trabalho que vem crescendo muito na minha cabeça quanto mais eu penso nele. Sandra Hüller também está espetacular em “Anatomia de uma queda” (e também muito bem em “Zona de Interesse”). Contudo, minha favorita ainda é a Lily Gladstone (“Assassinos da lua das flores”). Ela transmite muito sobre a sua personagem só com o olhar e pequenos gestos. É um trabalho realmente excelente.

DIRETOR– A lista dos diretores é impecável. Senti falta de Celine Song (“Vidas Passadas”), mas não sei quem eu poderia tirar entre tantos bons nomes. O meu favorito é o Martin Scorsese (“Assassinos da lua das flores”), mas vencendo a Justine Triet (“Anatomia de uma queda”) no photochart.

ATRIZ COADJUVANTE – Apesar de todo o meu amor pela Jodie Foster (“Nyad”), aqui eu tenho apenas duas favoritas: Emily Blunt (“Oppenheimer”) e quem eu acho que merecia mais o prêmio, “Da’Vine Joy Randolph (“Os Rejeitados”).

ATOR COADJUVANTE – Esta é uma categoria com cinco trabalhos muito bons. Dizem que o favorito é o Robert Downey Jr (“Oppenheimer”), mas não seria nada mal o Ryan Gosling (“Barbie”) ou Sterling K. Brown (“Ficção Americana”) ganharem. Só que o meu favorito é o Robert De Niro por “Assassinos da lua das flores”.

ROTEIRO ADAPTADO – Para mim, o roteiro mais interessante de todos os cinco indicados é o de “Ficção Americana”. É para ele que eu entregaria o careca dourado desta categoria.

ROTEIRO ORIGINAL – Adoro “Vidas Passadas” e “Segredos de um escândalo”. O prêmio estaria bem dado para ambos. Só que o meu favorito aqui é “Anatomia de uma queda”.

FILME INTERNACIONAL – Mais um ano em que os cinco filmes são bons. Meu favorito é “Dias Perfeitos”, o representante do Japão. “Zona de Interesse” e “Eu, Capitão” ocupam os lugares seguintes no pódio.

ANIMAÇÃO – Infelizmente não consegui ver “O menino e a garça” do Hayao Miyazaki. Dos filmes restantes, “Homem-Aranha: através do Aranhaverso” é disparado o melhor.

DOCUMENTÁRIO – Aqui eu também fiquei devendo um filme. O indiano “To Kill a Tiger”. Os quatro restantes são muito bons, mas meu favorito é “20 days in Mariupol”, que documents os horrores da invasão russa na Ucrânia. Logo em seguida eu colocaria “Bobi Wine: The People’s President” que também é bem impressionante ao colocar a luta de um músico de Uganda pela defesa da democracia no seu país.

FOTOGRAFIA – Eu sou muito fã de um preto e branco vintage. Por isso, o meu voto vai para “El Conde”. Mas os prêmios estariam bem dados para “Assassinos da lua das flores” ou “Oppenheimer”.

MONTAGEM – Impossível não dar o meu voto para Thelma Schoonmaker por “Assassinos da lua das flores”.

TRILHA SONORA – Meu pódio aqui fica assim: “Oppenheimer”, “Assassinos da lua das flores” e “Pobres Criaturas”.

FIGURINO – Se “Pobres Criaturas” não existisse eu até concordaria com “Barbie”, mas gosto muito do trabalho de Holly Washington no filme do Yorgos Lanthimos.

DIREÇÃO DE ARTE – Mais uma vez aqui o melhor e mais original e curioso para mim é “Pobres Criaturas”

CANÇÃO ORIGINAL – De todas as músicas, a que realmente faz diferença, causa impacto e move a história de um filme é “I’m just Ken”, de Barbie. Portanto, a minha favorita.

EFEITOS VISUAIS – Que os blockbusters americanas me perdoem, mas aqui eu estou 100% com “Godzilla Minus One”.

MAQUIAGEM E CABELO – Entre os narizes postiços de “Golda” e “Maestro” eu prefiro uma terceira e muito merecida via: “Pobres Criaturas”.

SOM – Entre todos os indicados não têm um único em que o trabalho de som não seja tão incrível e importante para a história quanto o de “Zona de Interesse”.

Dito isso, assim ficaram distribuídos os carecas dourados da Corneta:

4 carecas – “Assassinos da lua das flores”.

3 carecas – “Pobres criaturas”.

2 carecas – “Anatomia de uma queda” e “ Oppenheimer”.

1 careca – “Os Rejeitados”, “Dias Perfeitos”, “Ficção Americana”, “Homem-Aranha através do Aranhaverso”, “20 Days in Mariupol”, “El Conde”, “Barbie”, “Godzilla Minus One” e “Zona de Interesse”.

Para finalizar, vamos ao ranking do Oscar:

1- “Anatomia de uma queda”

2- “Assassinos da lua das flores”

3- “Vidas Passadas”

4- “Dias perfeitos”

(Os filmes acima estão classificados para a Libertadores)

5- “Zona de Interesse”

6- “Oppenheimer”

7- “Ficção Americana”

8- “Eu, Capitão”

9- “Barbie”

10- “20 Days in Mariupol”

11- “Bobi Wine: The People´s presidente”

12- “Pobres Criaturas”

(Os filmes acima estão classificados para a Copa Sul-Americana)

13- “Os rejeitados”

14- “Godzilla Minus One”

15- “Guardiões da Galáxia vol. 3”

16- “Homem-Aranha através do Aranhaverso”

17- “El Conde”

18- “Missão Impossível: Acerto de contas – parte um”

19- “Segredos de um escândalo”

20- “A Sala dos professores”

21- “As 4 filhas de Olfa”

22- “Sociedade da neve”

23- “Rustin”

24- “Jon Batiste – American Symphony”

25- “Maestro”

26- “Indiana Jones e a relíquia do destino”

27- “A memória infinita”

28- “Nyad”

29- “Flamin´Hot”

30- “Meu amigo robô”

31- “Elementos”

32- “Napoleão”

(Os filmes abaixo foram rebaixados para a Série B)

33- “Nimona”

34- “A cor púrpura”

35- “Golda”

36- “Resistência”

segunda-feira, 4 de março de 2024

Filmes e séries: destaques e decepções de fevereiro

Destaques:

🎞 “Anatomia de uma queda” (Anatomie d´une chute – FRA – 2023) – Filmaço, um belo debate sobre a noção do que é verdade e a forma de trabalho do judiciário baseado em declarações e não em provas irrefutáveis. Que filmaço de tribunal. O trabalho da diretora Justine Triet e da atriz Sandra Hüller são notáveis. Ambas foram merecidamente indicadas ao Oscar.

🎞 “Dias Perfeitos” (Perfect Days – JAP, ALE – 2023) – Dirigido por Wim Wnders, o indicado do Japão ao Oscar de filme internacional é um dos trabalhos mais bonitos do diretor. Super contemplativo e focado nos detalhes e nas pequenas ações do seu protagonista.

🎞 “Ficção Americana” (American Fiction – EUA – 2023) – O filme de Cord Jefferson me lembrou muito os roteiros de Charlie Kauffman, especialmente em “Adaptação” (2002), mas também com toda a crítica social por trás. É uma bela dramédia com ótimas interpretações de Jeffrey Wright e Sterling K. Brown.

🎞 “Eu Capitão” (Io Capitano – ITA, BEL, FRA – 2023) – Filme bem intenso e pesado sobre dois jovens que deixam o Senegal em busca do sonho europeu. A imigração é o tema desta jornada difícil dos protagonistas no filme dirigido pelo italiano Matteo Garrone.

🎞 “As 4 filhas de Olfa” (Les filles d´Olfa – FRA, TUN, ALE, ARS, CYP – 2023) – Documentário escrito e dirigido por Kaouther Ben Hania sobre o desaparecimento de duas filhas de Olfa Hamrouni, que foram recrutadas pelo Estado Islâmico e hoje estão presas na Líbia. Uma tremenda porrada.

🎞🍁 “Bob Marley: One Love” (Bob Marley: One Love – EUA – 2024) – Dirigido por Reinaldo Marcus Green, não é uma cinebiografia perfeita, mas gostei do recorte dela. Pegou um momento definidor da vida do artista e contou a história a partir daí e de tudo o que se gerou ao redor até o seu fim. As músicas são bem colocadas na história e não são uma mera playlist do cantor enquanto o filme acontece.

📺 “True Detective” (EUA, HBO) – Pode-se até dizer que a quarta temporada teve altos e baixos, mas a história criada por Issa López me pegou do início ao fim. E como é bom ver a Jodie Foster trabalhando.

Decepções:

📺 “Expatriadas” (Expats – EUA, Prime Vídeo) – Nicole Kidman sempre teve crédito comigo, mas ela está abusando. Esta já é a terceira série seguida que é uma decepção. Antes foi “The Undoing” (2020) e “Nove Desconhecidos” (2021). Mais uma vez interpretando uma mulher rica que vive uma tragédia, a atriz não consegue se salvar numa história de expatriados em que mesmo Hong Kong parece não ter a menor importância.

🎞 “A cor púrpura” (The Color Purple – EUA – 2023) – Imagina um musical que não tem uma única canção indicada ao Oscar. Foi o que aconteceu com “A cor púrpura”. O filme é chatinho. Prefiro mil vezes a versão do Steven Spielberg de 1985.

🎞 “Garra de Ferro” (Iron Clow – EUA, ING – 2023) – Tirando o fato de que eu nunca entendi o apelo do wrestling, o filme do Sean Durkin é aquela cinebiografia bem básica. Família tóxica, uma tragédia aqui e acolá, uma sucessão de eventos e tudo meio raso até o fim.