sábado, 8 de novembro de 2025

“Frankenstein” e a, por vezes, monstruosa relação entre pais e filhos

Gosto de ler determinadas obras antes de ver os filmes baseados nelas não para apontar dedos ou repetir o chavão nem sempre verdadeiro de que o livro é melhor. Gosto de ler antes apenas para ter a minha interpretação é comparar posteriormente com a visão do diretor. Penso que mais do que uma adaptação fiel, um grande diretor deve dar a sua visão particular para aquela história. Ainda mais sendo um clássico.

Talvez por isso eu tenho ficado tão satisfeito com a abordagem de Guillermo del Toro para “Frankenstein”, de Mary Shelley. Para o diretor mexicano, “Frankenstein” é uma história sobre uma dura relação entre pais e filhos. Sobre culpa, perdão e a quebra do ciclo de violência. Não foi a primeira coisa que pensei ao ler o livro e ver esta história na tela do cinema me fez refletir um pouco mais sobre a obra de Shelley.

O “Frankenstein” de Del Toro é menos uma história de terror, e mais uma visão gótica sobre padrões que se repetem, padrões que precisam ser quebrados, e uma monstruosidade que é construída e não inata.

O Victor Frankenstein de Oscar Isaac é fruto da criação dura de seu pai, da falha imperdoável para com a sua mãe de quem o jovem Frankenstein julgava perfeito e da frustração para com o pai. A perda da mãe foi um trauma irreparável e que moldou a vida de Frankenstein.

Em sua ânsia de vencer a morte, Frankenstein mal percebe que, ao dar vida a sua criatura, começa a repetir os comportamentos paternos e trata a sua frustração da mesma forma dolorosa com a qual ele foi tratado. Frankenstein só conhece a violência, o desprezo e a pressão como educação e usa dos mesmos artifícios para com a criatura. Ele é o lado sombrio enquanto o irmão, William (Felix Kammerer), é o seu oposto na família.

Em sua cegueira, Frankenstein sequer percebe que, por vezes, a evolução vem de uma abordagem mais gentil. É Elizabeth (Mia Goth) quem vê uma pureza na criatura, apesar do seu aspecto monstruoso. E com ela que a criatura constrói pequenas e novas camadas de conhecimento e começa a entender aquele mundo do qual nada sabe e nem teve tempo de aprender.

Vivida magistralmente por Jacob Elordi, a criatura, por sua vez, é uma folha em branco pronta para ter a sua história escrita. Nasce adulta, mas com uma inocência infantil. E tudo é aprendizado até que ele possa formar a sua opinião.

A criatura não demorará a perceber que aquele mundo em que vive é feito da violência. Violência está que por vezes é necessária, mas que quando vem dele o transforma num demônio, pois acaba por ser julgado mais pela sua aparência do que pelos seus atos.

Nas mãos de Del Toro, “Frankenstein” deixou um pouco de lado a discussão da ética na ciência. Há apenas um breve contraponto entre fé e ciência ainda no início do filme.

Já a solidão da criatura também é um tema pouco falado, mas perpassa implicitamente cada segundo da sua existência. Ele é único naquele mundo, um ser vivo incapaz de morrer, e que sente a necessidade de ter uma companhia igual a sua para amenizar a sua existência miserável. Existência esta que ele não pediu para ter. Quão cruel é para ele perceber que é feito de restos de corpos mortos. Como criar uma existência, quando seu próprio nascimento não foi natural? E sem ninguém para ajudá-lo. Nem aquele que deveria ser um pai para ele, mas que o trata com tanto desprezo que é incapaz de o tratar como “ele”, mas como “aquilo”.

Mas o que parece interessar mais a Del Toro é o ciclo de violência e culpa. E é fascinante que quem acaba com este ciclo seja a criatura. É o monstro quem perdoa o seu pai verdadeiramente monstruoso e incapaz de ter lhe mostrado um segundo de afeto e humanidade ao longo do filme. E seu último gesto é de bondade. E uma libertação. Par si e para os que o rodeiam. Agora o monstro, que sequer tem um nome, é livre para escrever a sua própria história.

“Frankenstein” é um belo filme, em que não se destacam apenas as atuações de Isaacs e Elordi, mas também a direção de arte. Este sempre foi um dos trunfos de Del Toro. O fato de os dois principais cenários do filme, o navio dinamarquês e a torre de Frankenstein serem reais e não CGI também deixa o filme muito mais palpável e orgânico.

O seu ritmo não é para todos os públicos. “Frankenstein” segue uma cadência quase literária. E não tem exatamente cenas grandiosas. Mesmo a força da criatura é mostrada de forma econômica. O que causa um impacto maior quando a vemos.

Acima de tudo é um filme bonito em que lamento não ter tido a chance de ver no cinema para o apreciar melhor. Não sei se a adaptação de Del Toro é a definitiva (e nem precisa ser), mas seu “Frankenstein” é uma bonita visão para um clássico da literatura.

Nota 8/10.

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