Cheryl e sua mochila básica |
"Meu
nome é Cheryl Strayed. Eu era uma jovem, que tinha uma vida regrada e cursava a
mesma faculdade que a minha mãe. Mas um dia mamãe ficou doente e veio a
falecer. Eu perdi o meu chão. Me emburaquei nas drogas, dei para todo cara que
me pagasse uma bebida. Trai meu marido incontáveis vezes. Fui ao fundo do poço
e dei um mergulho na heroína antes de perceber que eu tinha que dar a volta por
cima. Precisava me afastar do que me destruía, e até das pessoas que amo.
Isolei-me três meses numa trilha. Muitas vezes pensei em desistir, tive medo,
sofri com a fome e o frio. Mas essa foi a experiência que eu vou levar para
sempre na minha vida. Porque se você quer algo, tem que lutar para conseguir.
Eu venci. Eu renasci. Casei, tive filhos. E agora estou aqui para contar minha
história. Essa é minha vida, esse é meu...” Bem, vocês sabem como termina a
propaganda.
A
corneta nesta semana foi examinar a cota autoajuda do Oscar. Vocês sabem que
todo Oscar tem a sua cota autoajuda. Filmes edificantes, histórias de vida que
inspiram o povo e atenuam as dores cotidianas. No ano passado era “Philomena”
(o filme autoajuda nem sempre é ruim, pode ser ótimo também) No retrasado era
“As aventuras de Pi”. Neste ano, a historia edificante poderia ter sido
"Invencível". O problema é que o novo filme de Angelina Jolie não é
grande coisa. Não dava para concorrer em nada além do que três categorias
técnicas, ainda que a história do ex-atleta olímpico Louis Zamperini seja bem
mais interessante que a de Cheryl.
Interpretada
por uma Reese Whiterspoon que também resolveu renascer depois de algumas bombas
na carreira - como não esquecer “Água para elefantes” (2011), um filme
horripilante até no título? -, Cheryl é a jovem de "Livre". Em uma
história “baseada em fatos reais”, a moça vai além do limite da dor até
resolver buscar uma forma de purificação. Sua ideia era se enfurnar por três
meses numa trilha que passa pela fronteira do México e vai até o Canadá.
Era
a famosa Pacific Crast Trail (PCT), praticamente o Iron Man dos praticantes de
trilhas. A PCT oferece enormes desafios e dependendo da época do ano você tem
que enfrentar tanto um calor de 38ºC e seca em um deserto, quanto o frio de
montanhas cobertas de neve. É chapa quente. Não é para amadores.
Mas
Cheryl, então com 26 anos, era amadora. O problema é que ela também precisava
cumprir a sua via crúcis particular e não dava para fazer isso subindo a trilha
do Morro Dois Irmãos. Também não dava para resolver o problema fazendo o
Caminho de Santiago, pois isso era mainstream demais já na época dela (década
de 90).
E
Cheryl precisava de um certo isolamento. Necessitava da abstinência da vida
louca vida que levava para encontrar um sentido para a sua existência. É ou não
é um enredo perfeito de autoajuda?
No
filme de Jean-Marc Vallée, acompanhamos toda a jornada de Cheryl. As
dificuldades enfrentadas, as pequenas conquistas, as amizades que vem e vão ao
sabor da trilha. Tudo com frases marcantes de nomes como o poeta Walt Whitman
em suas pausas. Afinal, não existe autoajuda sem frases de efeito.
A
jornada de Cheryl é contada com competência por Reese, que nos devia algo assim
desde que fez June Carter, a esposa de Johnny Cash em "Johnny e June"
(2005). Por este papel, ela ganhou um Oscar de atriz coadjuvante. Agora
concorre na categoria principal do careca dourado, enquanto Laura Dern, que faz
a sua mãe no filme, está na disputa da estatueta de coadjuvante. Algo que soou
como um certo exagero.
"Livre"
pode inspirar almas em conflito da mesma forma que "Na natureza
selvagem" (2007). Com a vantagem de ter um final feliz. Por outro lado, o
filme é tão lindinho demais (até os problemas são incríveis), tão fofinho e
certinho demais, com aquele clima “se chorei ou se sorri, o importante é que
emoções eu vivi”, que às vezes parece meio boring. São várias situações se
repetindo e uma série de personagens desinteressantes durante a trilha de
Cheryl. Uma amiga me disse que o livro é bem mais rico. Contudo, isso não se
refletiu na película.
Se
é preciso reconhecer o bom trabalho de Reese, "Livre" é inferior ao
último filme de Vallée, o "Clube de compras Dallas" (2013). Este
trabalho, por sinal, rendeu dois carecas dourados para seus principais atores.
(Matthew McConaughey e Jared Leto). Será que um raio cai duas vezes no mesmo
lugar? Cientistas dizem que sim. Mas neste caso específico do Oscar, é
improvável que aconteça. E no balanço final da corneta, “Livre” ganhará uma
nota 5,5.
Indicações ao Oscar:
Atriz (Reese Whiterspoon) e atriz coadjuvante (Laura Dern).
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