Os anões valentes de Tolkien |
A
minha edição de “O Hobbit” tem exatas 296 páginas. Ou 289, se tirarmos as sete
de ilustrações que contam como páginas. A trilogia do “Hobbit” de Peter Jackson
tem 474 minutos (ou 7h54m). Com muitos minutos e poucas páginas, é possível
imaginar que o diretor neozelandês precisou enrolar bastante para encher três
filmes. Uma relação bem diferente da que ele teve com “O Senhor dos Anéis”. A
trilogia do filme, tem 558 minutos (ou 9h30m, ou 1h36m a mais do que “O
Hobbit”). As minhas edições dos livros de J. R. R. Tolkien tem, juntas, 1.229
páginas. Ou 940 a mais do que o livro que conta a origem dos acontecimentos da
Terra Média.
Dito
isto, o que a corneta deve dizer quando Peter Jackson pegou 50 páginas de um
livro e transformou nas 2h30m de “O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos”?
Ora, a saga se tornou uma grande “embromation”.
O
que sobrava em “O senhor dos anéis”, falta em "O Hobbit": história
para realmente encher três filmes. E nem a adição de personagens que não estão
no livro, como o elfo Legolas (Orlando Bloom), ou situações que nele não
aparecem como o caso de amor impossível estilo "Romeu e Julieta"
entre o anão Kili (Aidan Turner) e a elfa Tauriel (Evangeline Lilly, a sardenta
de “Lost”) ajudam. “O Hobbit” poderia ser um ótimo filme de, vá lá, três horas.
Virou três filmes apenas razoáveis. Mas, vocês sabem né, em Hollywood o que
vale “é a economia, estúpido”.
Ao
fim desta trilogia, não teve como não sentir aquele "Star Wars
feelings". Sabe aquela sensação de trilogia inferior feita depois para
explicar a trilogia feita antes? É isso. E Peter Jackson não esconde a sua
intenção ao amarrar as duas histórias no fim de "A batalha dos cinco
exércitos" e em dois momentos do filme. É de gelar a espinha ouvir Saruman
(Christopher Lee) dizer: "Leave Sauron to me". E olha que ele nem
cantou músicas natalinas em ritmo de heavy metal. Bom, a gente sabe muito bem o
que vai acontecer daqui para frente.
E
o que é o filme que fecha a trilogia que conta a história de Bilbo Bolseiro
(Martin Freeman)? Uma grande batalha de quase três horas sem parar. De fato,
"A batalha dos cinco exércitos" são aqueles 15 minutos finais de todo
bom filme de guerra. Aquele momento que marca o clímax anterior ao desfecho,
quando os heróis vencem a batalha e estão prestes a dar o beijo final na
mocinha. Ou seja, “A batalha dos cinco exércitos” é Peter Jackson esfregando na
nossa cara que ele está nos enrolando. Mas é preciso admitir que as cenas de
luta são muito bem feitas e coreografadas. Parece desfile de escola de samba do
Paulo Barros.
Como
não comparar “O Hobbit” com um desfile na Apoteose? Veja se não faz sentido.
Primeiro vem a bateria dos anões fazendo barulho e provocando uma guerra
desnecessária (Thorin, Thorin, sempre um líder contestável). Depois, entra a
ala dos elfos, rodando feito baianas para conseguir um punhado da prataria de
Erebor. Ai entra a ala dos humanos, querendo um tasco do ouro para reconstruir
suas vidas destruídas pelo dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch), o
falante que adora se autoglorificar e se acha a última cocada da festa junina.
Em seguida vem outra ala de anões barbudos. Tudo SINCRONIZADO.
E
aí, quando o samba ameaçava atravessar, surge a ala dos orcs malvados, que
ajudaram a estabelecer uma inédita união entre anões e elfos contra as
criaturas do mal. Nunca antes na história da Terra Média, elfos e anões haviam
se unido em prol de um bem comum. Depois viraria hábito, não é Frodo?
Não
perca a conta. Humanos, anões, elfos, orcs.... Ué, mas não eram cinco
exércitos? Então, o quinto batalhão, dos lobos selvagens que lutam ao lado dos
orcs, praticamente não existe. Faltou orçamento na tecnologia. Mas no fim chega
uma horda de animais para ajudar a virar um jogo aparentemente perdido por
elfos, anões e humanos. E como o filme tem estes momentos de gol de mão no
último minuto. Pelo menos, dessa vez, não foi o Gandalf (Ian McKellen) o
salvador da pátria. Ele no máximo provocou a chegada da tropa surpresa.
Há
ainda espaço para brilharem os destaques e os passistas. E acima de todos, está
Legolas, com suas lutas coreografadas como se tivessem nascido na fábrica de
criação do balé Bolshoi. Tem uma cena em especial dele subindo umas rochas que
estão se despedaçando que é tão absurda e impossível que fez o cinema ficar de
boca aberta e fazer comentários no melhor estilo #golegolas. O #teamlegolas
ganhou muitos adeptos em “O Hobbit”.
Particularmente
devo dizer que faço parte dos fãs dos elfos. São criaturas de muita classe,
evoluídos, educados. No seu reino tudo é belo e funciona. Devem ser
antepassados dos nórdicos. E são perfeitos na nobre arte do arco e flecha, uma
paixão minha desde que eu conheci "Robin Hood". Não tem como não
torcer por eles.
Já
os anões são como aquele seu parente desengonçado, caloroso, desajeitado e que
fala alto. Eles andam em bando, mas são amigos, leais, e sempre se ajudam. Acho
que o povo anão é tipo a Itália da Terra Média. Tem seu valor. Mas eu gosto
mais dos elfos e seus encantamentos. E eles ainda têm a Cate Blanchett.
Impossível não ficar ao lado de Cate Blanchett.
Um
dos 13 anões dessa aventura tem que lutar contra um demônio interno, a única
trama paralela em meio a toda a pancadaria de “A batalhados cinco exércitos”.
Trata-se do rei Thorin (Richard Armitage), que resolveu seguir os ensinamentos
de Gordon Gekko, que dizia que “Greed is good”, e ficou enlouquecido pelo ouro.
A doença do dragão louco é poderosa e fez Thorin ter o seu momento Rei Lear
delirando em meio aquele mar amarelo de pura ganância. Mas sem qualquer
análise, sem nenhum Freud ou Lacan, Thorin conseguirá resolver seus demônios
internos a tempo de desfilar na avenida, ops, ir para a batalha.
Caberá
a ele, aliás, protagonizar a briga final contra Azog (Manu Bennett), o orc
líder naquele momento que no videogame costumamos dizer que é a hora de
enfrentar o mestre final antes de zerar o jogo. Azog é o Master Bison de Thorin
e passar por ele em uma luta gelada é o último passo antes da glória.
Azog
é o antagonista acidental de um filme cujo protagonista, o hobbit Bilbo, faz
apenas participações especiais. Fundamentais, é claro, mas nem de longe é o
cara que pega o filme para si. Como nenhum outro personagem. Parece que os
atores principais tiveram seus tempos cronometrados para ocuparem o mesmo
espaço. Gandalf, Bilbo, Thorin, Azog, Legolas, todos têm o seu momento. Além do
mala e desnecessário Alfrid (Ryan Gage), que tenta ser o toque de humor da
história para dar uma quebrada em toda a batalha, mas se torna uma figura
desagradável. Teria sido melhor que Baird (Luke Evans) tivesse deixado seu povo
o matar.
Apesar
de alguns inconvenientes, "O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos",
tem lá o seu valor e pode se converter numa tarde de diversão descompromissada.
Não tem uma história, porque é um fiapo do livro adaptado para o cinema, mas
suas batalhas são legais. Não sejamos tão malas. E como a participação do
dragão egocêntrico é reduzida a um belo espetáculo no início do filme, nós
ganhamos em não ter que ouvi-lo se vangloriando de como ele é bonzão.
Assim, a corneta dará
uma nota 6 para o novo filme de Peter Jackson. Agora, com licença que vou ali
rever "O senhor dos anéis" sob uma nova perspectiva.
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