sábado, 12 de julho de 2025

Superman é o herói necessário para a era Trump

O Superman que salva muitas pessoas
Primeiro super-herói criado pela DC Comics, o Superman sempre foi um dos personagens mais queridos dos amantes dos quadrinhos. No entanto, a ascensão do Batman através de filmes mais populares e mais bem feitos para o vigilante de Gotham nas últimas quatro décadas e um certo cinismo do mundo neste mesmo período deixaram o Superman um pouco de lado. De uma certa forma, o ideal de bondade e esperança que o filho de Krypton transmite parecia não caber no ambiente dark/soturno criado por Zack Snyder, ainda que eu não desgoste do trabalho de Henry Cavill como Clark Kent.

Quando foi contratado em 2022 para assumir como novo chefão da DC, James Gunn tinha entre os seus desafios resgatar o velho Superman. Um Superman mais inspirado no herói dos quadrinhos e que foi tão bem retratado por Christopher Reeve em quatro filmes entre 1978 e 1987.

Três anos depois, “Superman” inaugura nos cinemas a nova era da DC Studios. Agora estrelado por David Corenswet, “Superman” é bem sucedido em muitos pontos e falha em alguns outros. Mas acima de tudo, o Superman de James Gunn é o herói necessário para a era Donald Trump e um mundo em que bilionários estão brincando de serem deuses enquanto transformam o planeta num tecnofeudalismo sob a anuência de uma enorme massa influenciada e emburrecida por algoritmos de redes sociais.

Ver o “Superman” chegar aos cinemas neste momento em que Trump voltou a ser o presidente dos Estados Unidos intensificando o discurso de ódio, a divisão, a perseguição a imigrantes e criando discursos falsos para atingir os seus interesses é para nos fazer refletir sobre que mundo temos hoje e que mundo queremos para o futuro. É triste observar as guerras que ocorrem neste momento entre Rússia e Ucrânia, na faixa de Gaza, entre Israel e Irã e não poder apelar para um herói que mantenha a paz diante de políticos que disseminam o ódio. Ainda que isso possa causar incidentes diplomáticos, questão que é relativamente arranhada pelo filme. O Superman não existe, mas o seu ideário de bondade, de ajudar ao próximo e buscar o melhor das pessoas devia ser um norte diante de um mundo que exibe muita raiva não apenas vindas dos Estados Unidos, mas também de todos os políticos de extrema direita e seus seguidores pela Europa e no Brasil, que acirram a divisão disseminando ódio contra imigrantes e minorias.

A mensagem de Gunn é muito clara. Superman é um imigrante que construiu a sua vida nos Estados Unidos. Um imigrante que tenta dar o seu melhor no seu ofício, mas é alvo de ódio nas ruas e nas redes sociais. Especialmente a partir das ações de seu arqui-inimigo, o bilionário Lex Luthor. Vivido por Nicholas Hoult, Luthor aqui é um cruzamento de Trump com Elon Munsk. Tem ódio pelo que vem de fora a ponto de afirmar que o Superman não é um homem (man), mas uma coisa (it). Tem inveja pelo herói monopolizar as atenções do mundo e usa todo o seu arsenal financeiro e tecnológico para o difamar, destruir a sua imagem antes de destruí-lo literalmente. O Luthor de Hoult é o arquétipo do bilionário de extrema direita que tem uma esposa troféu e financia o que de pior o ser humano pode produzir para atingir seus próprios interesses. Mais atual, impossível.

Gunn é muito feliz em se afastar da história de origem e estabelecer em cinco minutos de filme em que ponto estamos neste mundo. Há 30 anos, a nave de Kal-El atingiu a Terra e o jovem foi criado por fazendeiros do Kansas. Há três anos, ele se revelou a um mundo que já conta com uma série de meta-humanos como o Superman. Há três minutos, este ainda jovem Superman sofreu a sua primeira derrota dias depois de impedir um conflito armado entre dois países fictícios, a Boravia e Jarhaunpur, salvando milhares de vidas, mas criando um incidente diplomático com a Boravia, uma ditadura aliada dos Estados Unidos.

As ações do Superman têm causado controvérsia, provocando uma divisão em Metrópolis, ainda que sua popularidade seja maior do que se imagina e que o ódio seja menor do que aparenta ser (e o filme deixará isso claro numa cena em especial).

O Superman de David Corenswet não chega a emular a versão de Reeve, mas se afasta muito da versão de Cavill, O Superman de Cavill era quase uma versão de Jesus Cristo na forma sacralizada em que era filmado por Snyder e era um herói que estava ali para salvar a humanidade, mas sem pensar muito nas consequências dos seus atos. O Supermann de Gunn e Corenswet atua praticamente em jornada dupla e fazendo multitasking. Precisa cuidar dos vilões, mas tem sempre um olho em salvar as vidas. Todas as vidas: humana ou animal. E isto é repetido quase em exaustão. Acho que este Superman salvou mais vidas neste filme do que o de Cavill nos quatro filmes em que esteve presente entre 2013 e 2021.

Fala demais, mostra de menos

E aqui chegamos num ponto em que o filme apresenta seus problemas. A enorme quantidade de informação que o trailer exibia já dava indícios de que o filme de Gunn poderia não dar conta de contar tantas histórias. E fica exatamente esta impressão quando Gunn resolve romper com a clássica regra de roteiro “show, don´t tell”, que poderia ser traduzida como “mostre, não diga”. A ideia desta regra é que você revele informações por meio de ações, imagens e comportamento dos personagens, ao invés de simplesmente explicá-las por meio de diálogos ou narração expositiva. Gunn faz isso muito bem e, como disse, quase a exaustão com as ações do Superman, mas sobra pouco tempo para o restante dos personagens do filme e para os demais temas que o filme aborda.

Por isso, ele precisa reafirmar diversas vezes o estatuto de imigrante do Superman e até criar um paralelo com um imigrante comum, vendedor de comida na rua, ele precisa deixar claro que o Superman resolveu um problema sem causar a morte de nenhum indivíduo, ele precisa mostrar o que é o governo da Boravia, precisa explicar quem é a Gangue da Justiça e quem esta por trás do grupo formado por Lanterna Verde (Nathan Fillion maravilhoso como o bonachão Guy Gardner), Mulher Gavião (Isabela Merced) e Senhor Incrível (Edi Gathegi), ele precisa contar as origens e os desdobramentos de tudo o que Lex Luthor tem feito para destruir o Superman enquanto a ação corre solta… E para isso, Gunn usa muitas vezes o recurso dos jornalistas de TV dando notícias ou fazendo entrevistas. Nisso, sobra pouco tempo exatamente para o Planeta Diário, que é onde Clark Kent e Louis Lane (Rachel Brosnahan) trabalham. Pelo menos, ainda houve tempo para Lane fazer uma importante reportagem sobre Luthor. E ainda temos Krypto, o cachorro que pode ser muito fofo, mas toma muito tempo de tela e serve como constante alívio cômico do filme.

É compreensível que Gunn precisaria chegar na DC com o pé na porta e apresentando uma miríade de informações para mostrar que esta é a nova DC. Neste mundo, meta-humanos vivem entre nós, os heróis e os vilões estão estabelecidos, nós vamos ter discussões políticas e sociais e vamos trazer no meio disso muito entretenimento. Mas tudo isso pareceu ser muito para um filme de 2h09min, deixando-o por um lado excessivamente expositivo, por outro com pouca profundidade nas questões políticas importantes que o filme levanta, como os temas da imigração e da manipulação de informações. Este último então, se resolve num piscar de olhos, ou melhor, na velocidade das redes, mas ao mesmo tempo deixando uma ponta solta relativa ao pai biológico do Superman, que é algo que vai ter que ser resolvido no futuro. Afinal, duvido que tenham contratado o Bradley Cooper para fazer somente aquilo que é mostrado na tela.

Outro ponto que o filme peca um pouco é no CGI. As lutas do Superman em muitos casos parecem inorgânicas. É óbvio que é muito difícil fazer uma cena de luta com um super-herói que é praticamente um deus, e talvez tenham sido usados os melhores recursos possíveis para dar o peso, a velocidade e a emergência da situação, mas nem tudo ficou 100%, especialmente no confronto com o capanga mais poderoso de Luthor.

Entre virtudes e defeitos, porém, Gunn acerta em trazer de volta a essência do Superman. Mas ao mesmo tempo expõe as suas vulnerabilidades. Por ser um herói ainda jovem na função, o Superman tem uma inocência e ainda acredita em ver o melhor nas pessoas. E isso quase foi a sua ruína. O que mostra que para além da kryptonita, as suas virtudes também podem ser usadas contra ele para lhe fazerem mal. Algo que, aliás, é constantemente explorado por Luthor no filme. 

O Superman de Gunn é um herói que ainda não está pronto e está aprendendo o seu ofício, mas que tem bem clara a sua missão: ajudar o mundo a ser um lugar melhor. E não vão faltar políticos e bilionários de extrema direita para ele combater.

Nota 8/10

domingo, 6 de julho de 2025

Film review: A tentativa de recomeço de “Jurassic World”

Bailey e Johansson tentando não ser comidos
Eu já tinha abandonado a franquia “Jurassic Park” lá nos filmes do Chris Pratt. Embora tenha visto todos os filmes, não tinha qualquer motivação em ir ao cinema. No entanto, eu tenho um fraco: a minha admiração pela atriz Scarlet Johansson. E isso foi o suficiente para voltar a pagar um ingresso para ver “Jurassic World: Recomeço”. Qual não foi a minha surpresa ao ver que o filme é verdadeiramente divertido.

No título original, Jurassic World fala em “Renascimento”. E isto é o que a franquia está tentando fazer com movimentos dentro e fora da tela.

Do lado de fora, ao trazer de volta David Koepp, um dos roteiristas do filme original de 1993. Dentro da tela, ao conectar um mosaico de referências/homenagens que não só farão o fã pensar no filme original de Steven Spielberg, como também em outros clássicos da cultura pop. Tudo isso embalado num filme que tem cara, jeito e roteiro de aventura de filme americano dos anos 1990.

Ou seja, o recomeço, ou renascimento de “Jurassic Park” passa muito por um olhar para o passado. Se isso é bom ou ruim fica a critério do espectador e, consequentemente, da bilheteria que o filme fará.

A história de “Jurassic World: Recomeço” pode ser resumida em uma frase: um grupo de aventureiros se arrisca numa ilha onde vivem dinossauros para conseguir uma amostra de sangue de três espécies com o objetivo de construir um medicamento revolucionário para tratar doenças coronarianas.

No recheio deste bolo há uma coleção de clichês que em alguns casos seriam enfadonhos, mas nesta aventura despretensiosa dirigida por Gareth Edwards, diretor de “Godzilla” (2014) e “Rogue One” (2016), cabem deliciosamente bem. Temos os personagens-chave que são o cientista vivido por Jonathan Bailey e a mercenária vivida por Scarlet Johansson. Temos o vilão óbvio que representa a mão cruel e predatória do capitalismo vivido por Rupert Friend, temos uma família que representa a presença do homem comum sem grandes habilidades no meio daquela adversidade e temos os candidatos a virarem comida de dinossauro. Desde o início sabemos quem vai morrer e sabemos quem vai sobreviver. Havendo espaço para um ou dois numa zona mais cinzenta para criar uma expectativa mínima.

O roteiro também segue o padrão clássico dos três atos. São três as amostras que precisam ser recolhidas, três dinossauros diferentes, três elementos daquele mundo: água, terra e ar. Tudo para oferecer diferentes desafios para o grupo e mostrar a diversidade que a ilha dos dinossauros exibe.

Gosto muito também do momento histórico que o filme traça, criando uma sociedade em que dinossauros já não têm a mesma graça. Fazem parte da paisagem, perderam a popularidade. Mas também são temidos a ponto de haver uma zona do planeta próximo à linha do Equador em que os seres humanos são proibidos de viajar. Lá, só vivem dinossauros.

Este é um dos pontos que eu mais gosto do filme junto com algumas cenas bem legais dos dinossauros um tanto quanto assustadores e as referências. Toda a passagem no mar parece muito inspirado em “Tubarão” (1975), curiosamente um filme de Steven Spielberg.

Muitas cenas na floresta me remeteram ao início da franquia. Especialmente as que envolviam aquele andar mais sorrateiro de um dinossauro e os humanos tentando sobreviver em meio a uma tremenda adversidade.

A inclusão de um dinossauro mutante criado em experiências de laboratório por humanos também criou uma criatura extremamente parecida na cabeça pelo menos com o alienígena de “Alien — o 8° passageiro” (1979). Não sei se foi de propósito, mas me pareceu até uma correlação óbvia.

Acima de tudo, “Jurassic World” entretém. Mais do que os filmes recentes. Resta saber se o nosso mundo ainda gosta de dinossauros ou se eles também viraram para nós apenas paisagem.

Nota 7/10.

Jurrasic World: Recomeço (Jurrasic World: Rebirth — EUA, ING, Malta, IND — 2025)

Estrelado por: Scarlett Johansson (Zora Bennett), Mahershala Ali (Duncan Kincaid), Jonathan Bailey (Dr. Henry Loomis), Rupert Friend (Martin Krebs), Manuel Garcia-Rulfo (Reuben Delgado), Luna Blaise (Teresa Delgado), David Iacono (Xavier), Audrina Miranda (Isabella Delgado), Philippine Velge (Nina), Bechir Sylvain (LeClerc), Ed Skrein (Bobby Atwater).

Roteiro: David Koepp.

Direção: Gareth Edwards.