Viver não é fácil, Natalie |
Como atriz, Natalie Portman alterna
produções em blockbusters como os filmes da saga Star Wars e do super-herói
Thor com produções que de alguma forma investigam a alma de seus personagens,
lidam com traumas, amores, mergulham em sentimentos difusos e profundos.
"Um beijo roubado" (2007)
era uma reflexão sobre o amor, enquanto "Entre irmãos" (2009) falava
do trauma pós-guerra e de como seguir em frente quando se está separado e sem
qualquer perspectiva de que o marido soldado vá voltar. E se voltar, como ele
voltará. Retornando um pouco no tempo, "Closer" (2004) era sobre a
decadência de dois relacionamentos e questionamentos sobre eles.
Mas o seu trabalho mais brilhante até
aqui é claramente "Cisne Negro" (2010), um mergulho profundo na alma
de uma bailarina obsessiva por um lugar de destaque numa companhia de dança e
que para chegar lá acaba atingindo um estado de esquizofrenia com consequências
irrecuperáveis.
Não surpreende, portanto, que a atriz
de 34 anos tenha escolhido este caminho mais reflexivo para dar o pontapé
inicial em sua carreira de diretora. Com roteiro também escrito por ela,
"De amor e trevas" é um filme tocante, melancólico, duro e
profundamente sentimental que necessita mais do que a breve avaliação inicial
ainda nos créditos. Sua digestão não é rápida. Não é direta. É um filme
que ecoa na cabeça estimulado por sua trilha sonora e requer um controle dos
instintos para melhor compreendê-lo.
Baseado num livro do escritor Amos
Oz, "De amor e trevas" conta a história da infância do próprio
escritor nos anos 40 em Jerusalém. Naquela época, Israel ainda lutava por sua
independência da coroa britânica e já vivia as tensões entre judeus e árabes
que marcaram a infância do jovem Amos (Amir Tessler).
As relações tensas entre os dois
lados podem tornam um pequeno incidente em uma brincadeira de crianças um
grande problema diplomático que as duas famílias precisam resolver.
É nesta tensão e numa cidade solar,
mas espremida entre construções de pedra de pouco luxo que o jovem Amos cresce
ao lado dos pais Arieh Oz (Gilad Kahana) e Fania Oz (Natalie Portman).
Amos é um jovem sensível, observador
e inteligente que acompanha com atenção os acontecimentos políticos ao mesmo
tempo em que vivência a decadência de sua mãe de um estado de amor a um
sentimento de profunda depressão.
Fania é o personagem central da
escrita de Amos. Ele investiga as razões para a mãe ter mergulhado naquele
oceano sem volta. Especula se a rotina, o casamento e a vida comum daquela
jovem criativa e cheia de sonhos do passado a devastaram por dentro de uma
forma que não tem mais volta.
"De amor e trevas" tem,
portanto, três componentes que acompanham o espectador numa narrativa literária
que, por vezes, pode cansá-lo, ainda que o texto seja dito com uma elegância e
este seja filmado com um certo tom de solenidade por Natalie. Há o componente
histórico envolvendo a política local, há a análise sobre a vida da mãe de Amos
e, por fim, os efeitos que essa convivência com os pais causaram na vida
daquele jovem que tornar-se-ia escritor anos depois.
Embora o pai fosse também escritor,
ainda que não de sucesso, parece que a mãe exercia um aspecto lúdico maior
sobre a criança com suas histórias que só no fim percebemos que nada mais eram
que narrativas em parábolas de aventuras pelas quais ela daria a vida para ter
vivido. Não há amor que sobreviva a monotonia. O caminho da letargia é a
depressão profunda.
Natalie tem entrada em Hollywood. Não
sei se ela tentou fazer este filme com algum estúdio americano. Mas se sua
escolha inicial sempre foi filmar no cinema israelense, não poderia ser uma
escolha mais acertada. Os americanos são ótimos em criar entretenimento de
qualidade, mas quando se trata de investigar mais profundamente a alma humana,
são poucas as vezes em que eles acertaram.
Nos EUA, Natalie poderia ficar refém
dos códigos locais que talvez fizessem o seu filme escorregar na pieguice e no
clichê. Em Israel, ela teve a liberdade de dar um ritmo próprio ao seu filme e
não procurar sempre respostas para cada problemática. Deixar o espectador
pensar sobre o destino daquela mulher e o que a levou ao seu desfecho foi a
melhor decisão. E fazer o filme em hebraico tornou-o mais verossímil, pois
trata-se da vida de uma jovem família israelense que vivem em Jerusalém.
Por outro lado, Natalie talvez tenha
tido um respeito excessivo pelo texto de Amos, trazendo sequências em demasia de
narrativas declamadas. Mas sua mão esteve longe de ser pesada. Talvez só tenha
sido solene com seus movimentos em câmera lenta e seus variados olhares
perdidos. Tudo bastante contemplativo. Tudo com muita classe. Pode ser belo
para alguns, irritantemente chato para outros.
Mas o saldo final desta sua
estreia em longas metragens é positivo. Que Natalie se arrisque mais nos
caminhos que desejar. "De amor e trevas" vai ganhar uma nota 7.
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